O encontro que nasce do desejo compartilhado de felicidade

Todos compartilhamos o mesmo desejo de felicidade e realização, ainda que tentemos satisfazê-lo de formas muito diferentes. Partir desse desejo e compartilhar as experiências humanas que fazemos nessas tentativas é um caminho seguro para vivermos uma verdadeira amizade com os que pensam diferente.

Ser amigo, companheiro, sentir-se irmão de quem pensa como nós é relativamente fácil. A sociedade plural em que vivemos, contudo, nos obriga a estarmos em relação continua com aqueles que pensam diferente, que muitas vezes parecem oferecer mais ameaças do que amizades. Assim, tendemos a considerar “normal” e até justo dividir o mundo em “amigos” e “inimigos”, bons e maus.

Se agimos desse modo, vale para nós a admoestação de Cristo: ““Se amais aqueles que vos amam, que recompensa mereceis? Pois até os pecadores amam aqueles que os amam […] Pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bondoso também para com os ingratos e os maus” (Lc 6, 32-36).

Entretanto, numa sociedade que não é só plural, mas polarizada e comprometida ideologicamente, como criar laços de amizade com quem pensa diferente sem se tornar conivente ou até mesmo ser instrumentalizado pelo outro? Certas propostas de convivência fraterna frequentemente nos parecem de uma ingenuidade atroz ou nos envolvem no paradoxo de ser tolerante com os intolerantes (que depois não nos tolerarão).

Existe uma experiência humana que é compartilhada por todos nós, mesmo que muitas vezes não nos demos conta disso. Todo ser humano experimenta um conjunto de exigências fundamentais, o desejo de felicidade, de liberdade, de justiça, de realização, etc… Ninguém quer ser infeliz. Por trás das mais loucas e masoquistas vivencias humanas, encontramos o mesmo desejo de felicidade, desencaminhado, muitas vezes transformado em grito de socorro ou denúncia contra aqueles que (suposta ou realmente) o fizeram sofrer. Por isso, o desejo de felicidade é uma “experiência elementar” (porque é o elemento original de todo agir humano) que compartilhamos até mesmo com nossos adversários mais agressivos – um ponto de partida que, uma vez invocado sinceramente, pode superar todas as barreiras e muros que nos separam, iniciando um caminho de entendimento e amizade.

Contudo, essas exigências nem sempre estão evidentes para nós mesmos. O esquecimento, a distração e as ideologias frequentemente fazem com que não nos demos conta dessa “experiência elementar” e, se não a identificamos em nós mesmos, muito menos as veremos nos outros. Aquele que tem a própria experiência elementar diante dos olhos tende a perceber nos demais esse mesmo impulso original, independentemente de estar sendo respondido de forma adequada ou não. Por isso, essa experiência, quando se torna um critério de juízo e de discernimento em relação à realidade, abre uma janela de empatia e a possibilidade de encontros humanos verdadeiros.

Quando perdemos a capacidade de olhar o outro a partir desse desejo compartilhado de felicidade e de bem, é sinal de que nos deixamos determinar pelo esquecimento e pela ideologia. A amizade social, para ir além de simpatias instintivas e de confluências ideológicas, precisa dessa consciência de uma unidade última que pode ser encontrada no coração de cada um de nós, nesse desejo de felicidade e de bem, capaz de superar as barreiras partidárias, os preconceitos e os interesses pessoais.

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