Provavelmente, nenhum outro conceito filosófico nascido da tradição católica é tão denso e prenhe de respostas para nosso tempo quanto o humanismo integral, de Jacques Maritain.
É impossível comentarmos a obra de Jacques Maritain e não falarmos sobre humanismo integral. Considerada uma das suas principais contribuições para a filosofia cristã, o conceito foi apresentado pelo autor na obra Humanismo Integral – uma visão nova da ordem cristã (1936, edição brasileira: Cultor de Livros, 2015), sendo incorporado à Doutrina Social da Igreja, constando nas referências bibliográficas da encíclica Populorum progressio, de São Paulo VI, publicada em 1967, além de estar na base da noção do conceito de desenvolvimento humano integral, tratada por Bento XVI na encíclica Caritas in veritate, publicada em 2009. Sua marca indelével aparece ainda na ecologia integral, proposta pelo Papa Francisco na Laudato si’.
Em linhas gerais, Maritain propõe um humanismo que valorize o ser humano em sua totalidade. Em contraposição à visão humanista moderna fragmentada, que procura separar a dimensão racional da dimensão espiritual do ser humano, o autor afirma que o humanismo não pode ser tratado como uma manifestação antirreligiosa, não pode ser separado da religião e da fé, pois deixaria de ser humano, uma vez que a espiritualidade compreende uma dimensão intrínseca da humanidade.
Trata-se, portanto, de um “humanismo teocêntrico”, por meio do qual a pessoa não é aniquilada por Deus e tampouco reabilitada sem Ele. Na verdade, ela é reabilitada em Deus, mediante a graça divina. Compreende uma visão humanista fundada no amor divino, em que todos somos dignos de sermos amados, como fim em si mesmos. É o humanismo dos santos, que em Deus são capazes de amar e valorizar a todos.
De fato, se viemos de Deus, se fomos criados por Deus, esta verdade deve ser o critério que permeia o modo como devemos conceber e lidar com o ser humano e, consequentemente, como devemos pensar e organizar a sociedade. Somente quando compreendemos a primazia da dimensão espiritual do ser humano, temos a possibilidade de considerar adequadamente todas as suas outras dimensões, alcançando assim uma visão e compreensão humana realmente integral.
Maritan afirma que o ser humano deve adquirir progressivamente uma consciência evangélica de si próprio, dos seus limites e das suas capacidades, dos seus sentimentos e de sua racionalidade, acolhendo o mistério divino que se realiza dentro dele, por meio da ação da graça. A partir destes dois aspectos fundamentais, consciente de quem realmente é, torna-se capaz de promover uma transformação da realidade temporal, e promover o que o filósofo chama de “uma nova era cultural cristã”.
Pelo humanismo integral, todas as instituições devem ser pensadas e estruturadas em função das pessoas, de tal modo que elas nunca sejam enxergadas como instrumento ou simples meio, mas, sim, como o fundamento de todo e qualquer modelo de desenvolvimento econômico e social.
Para Maritain, o conceito de humanismo integral corresponde à própria atualização do Evangelho na sociedade, o que permite compreender todos os esforços para transformá-la como parte integrante da missão de conduzir a humanidade ao conhecimento da verdade, que é o próprio Cristo, a fim de que todos possam um dia alcançar a sua realização plena, que só acontecerá para além da História, quando teremos a oportunidade de participar da alegria e felicidade próprias da vida beatífica, na qual finalmente o ser humano compreenderá verdadeiramente a sua própria dignidade.