O nordestino é, antes de tudo, um forte

A pessoa humana, um grupo social ou regional, mede sua resistência e sua identidade na relação com o outro. Não basta uma coexistência mais ou menos harmoniosa, a simples justaposição de expressões culturais e religiosas ou uma convivência pacífica entre eles. A riqueza mútua e profunda vem da empatia, da depuração e da purificação que sofrem os valores e contravalores daqueles que se encontram. O outro se transforma em um espelho para nossa existência. “O outro tem algo a dizer não só sobre ele, mas de modo particular sobre nós mesmos”, diz o filósofo Gadamer. Frente a frente, uns em diálogo com os outros, é que se dá o processo sempre dinâmico da formação de identidade.

Agência Brasil

A famosa frase do título foi escrita por Euclides da Cunha, em Os Sertões, publicado em 1902, a partir das observações do autor, correspondente do jornal O Estado de São Paulo na guerra de Canudos (1896-1897). Nem por isso o preconceito contra os nordestinos foi erradicado da cultura brasileira. Vez por outra, essa discriminação emerge com inusitada virulência, seja nas ruas, botecos e praças do cotidiano, seja na voz de alguma figura de destaque, como foi o caso de um vereador em Caxias do Sul (RS), tentando minimizar um gravíssimo caso de trabalho escravo.

 Basta um rápido olhar sobre nossa história para confirmar a força e a resistência da população nordestina. Os chamados “ciclos econômicos” se deveram em grande parte ao seu trabalho. O ciclo da borracha levou ao redor de 500 mil maranhenses e cearenses para a selva amazônica – trabalhadores transformados na população ribeirinha de hoje. Os ciclos da cana-de-açúcar, do cacau, do algodão e do café contaram com não pouca mão de obra nordestina e afro-brasileira. As multidões de nordestinos e mineiros que se deslocaram para o centro-sul do País medem-se aos milhões. A construção do eixo industrial Rio e São Paulo e da nova capital de Brasília reúne lágrimas, suor e sangue de sua gente.

Inúmeros nordestinos procuram escapar da pobreza e da dificuldade de levar para a família “o pão nosso de cada dia”. Chegados a uma nova terra de destino, empenham-se em superar suas carências e reconstruir o futuro. Longe da preguiça, carregam o empenho em vencer na vida. Ao trazer consigo a incerteza, a inquietude e a insegurança, tornam-se fator positivo de mudança econômica, social e política. O estado de precariedade em que se encontram pode levá-los a perdas ainda mais graves – mas pode igualmente fazer deles fortes lutadores que nos ensinam a alargar nossos horizontes.

Por Padre Alfredo José Gonçalves, CS,  Pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos).

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