O respeito e a obediência às indicações da Doutrina Social da Igreja

Às vésperas de uma nova eleição, interessa-nos saber qual o papel do Magistério, infalível ou não, no exercício do voto por parte dos cristãos católicos e em que medida podem exercer esse direito sem faltar com a obediência aos pastores da Igreja.

Vatican Media

O Papa goza de infalibilidade quando, como Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis, proclama, por ato definitivo, que se deve aceitar uma doutrina sobre a fé e os costumes (cf. Código de Direito Canônico, cân. 749 § 1). Assim ficou definido pelo Concílio Vaticano I, em 1870, na Constituição Dogmática Pastor Aeternus, cap. 4 (cf. DENZINGER, H. & HÜNERMANN, P. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007). Os Bispos também exercem a infalibilidade, mas somente se, reunidos em Concílio Ecumênico ou espalhados pelo mundo, declararem para toda a Igreja que se deve aceitar definitivamente uma doutrina sobre a fé ou os costumes, sempre em comunhão com o Papa (cf. cân. 749 § 2). Porém, nenhuma doutrina se considera infalivelmente definida se isso não constar claramente (cf. cân. 749 § 3). O conteúdo da infalibilidade consiste exclusivamente na doutrina sobre a fé e os costumes. A Igreja não faz declarações definitivas sobre o que pode ser objeto de escolha dos fiéis, especialmente dos leigos. Por isso, é direito dos fiéis leigos que lhes seja reconhecida, nas coisas da sociedade terrestre, a mesma liberdade que compete a todos os cidadãos (cf. cân. 227).

Na política. A infalibilidade papal não se aplica diretamente às questões sociopolíticas. Porém, não podemos dizer que não haja conteúdo definitivo em muitas matérias. Veja-se, por exemplo, o que o Papa Francisco afirmou a respeito do aborto: “E precisamente porque é uma questão que mexe com a coerência interna da nossa mensagem sobre o valor da pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição sobre esta questão. A propósito, quero ser completamente honesto. Este não é um assunto sujeito a supostas reformas ou ‘modernizações’. Não é opção progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida humana” (Evangelii Gaudium, EG 214). Em uma manifestação um pouco mais antiga, encontramos uma lista de questões consideradas como fundamentais, tais como o direito primário à vida, desde o seu concebimento até ao seu termo natural; a tutela e promoção da família, fundada no matrimônio monogâmico entre pessoas de sexo diferente; a garantia da liberdade de educação dos pais em relação aos próprios filhos; a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das modernas formas de escravidão (por exemplo, a droga e a exploração da prostituição); o direito à liberdade religiosa; o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum, no respeito da justiça social; os princípios da solidariedade e da subsidiariedade; “o grande tema da paz” (cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002).

Mesmo não se tratando de ensinamentos definidos como definitivos, os fiéis, conscientes da própria responsabilidade, devem aceitar com obediência cristã o que os Pastores, como representantes de Cristo, declaram como mestres da fé ou determinam como guias da Igreja (cf. cân. 212 § 1). Então, por que a Igreja não apresenta essas exigências éticas como ensinamentos definitivos e reforçados pela infalibilidade Papal? Talvez, a resposta mais coerente tenha sido dada por Bento XVI: “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias, não poderá afirmar-se nem prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, empenhar-se pela justiça, trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem” (Deus Caritas est, DCE 28). “A Doutrina Social da Igreja discorre a partir da razão e do direito natural, isto é, a partir daquilo que é conforme à natureza de todo o ser humano. E sabe que não é tarefa da Igreja fazer, ela própria, valer politicamente esta doutrina: quer servir a formação da consciência na política e ajudar a crescer a percepção das verdadeiras exigências da justiça e, simultaneamente, a disponibilidade para agir com base nas mesmas, ainda que tal colidisse com situações de interesse pessoal” (Ibidem).

Como os católicos podem se posicionar diante dos ensinamentos sociopolíticos da Igreja e sua missão política na sociedade? Em primeiro lugar, é preciso que saibam quem são os pastores da Igreja. Em segundo lugar, é preciso que saibam o que dizem os pastores legítimos. Em terceiro lugar, é preciso que queiram manter a comunhão com a Igreja. A legislação da Igreja diz que: “Neste mundo, estão plenamente na comunhão da Igreja Católica os batizados que se unem a Cristo na estrutura visível, ou seja, pelos vínculos da profissão da fé, dos sacramentos e do regime eclesiástico” (cân. 205). E que: “Os fiéis são obrigados a conservar sempre, também no seu modo de agir, a comunhão com a Igreja” (cân. 209. § 1). Porém, a comunhão com a Igreja não se realiza por “decretos”, mas pela “religiosa adesão da inteligência e da vontade”, conforme diz a legislação da Igreja: “Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto, os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela” (cân. 752).

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