Os católicos e o movimento operário no século XIX

O século XIX foi um período de intensa agitação política: revoluções, revoltas populares, lutas sindicais, embates ideológicos entre teorias socialistas e propostas reformistas sacudiram a Europa e os Estados Unidos. A industrialização havia introduzido uma nova dinâmica econômica, que mudaria para sempre as relações de trabalho e a vida cotidiana dos trabalhadores. Antigos saberes, formas de trabalho e associação foram definitivamente abandonados e os efeitos deste processo não tardaram a surgir. Entre eles, uma classe operária miserável, sem direitos trabalhistas, submetida a condições desumanas (longas jornadas, salários baixos, insalubridade, trabalho infantil), sujeita a doenças e acidentes, vivendo em moradias precárias.

Domínio público/Reprodução

Muito antes da publicação da encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1891), leigos e sacerdotes posicionaram-se contra as condições desumanas do trabalho dos operários já no século XIX. Por meio de artigos, debates e atuação política e sindical, propunham soluções práticas, inspiradas na concepção cristã de homem e sociedade, tais como medidas de assistência para os mais pobres, acesso à educação e intervenções do Estado para garantir direitos aos operários. Na França, Lamennais (1782-1854), nove anos antes do Manifesto Comunista, identificou a desigualdade como o principal problema da nascente economia capitalista, pois reduzia o homem “alienado de sua personalidade” a um novo tipo de escravidão, causando a miséria dos operários; e Villeneuve-Bargemon (1784-1850) apontava a necessidade de repartir a riqueza produzida, sendo o primeiro a definir os elementos da justiça social, chegando a propor um salário-mínimo. Frederico Ozanam (1813-1853), talvez o mais conhecido entre esses cristãos franceses, uniu reflexão e ação, fundando as Conferências de São Vicente de Paulo, movimento que ainda hoje reúne milhares de pessoas dedicadas aos pobres. Na Alemanha, a atuação do bispo Von Ketteler (1811-1877), assumindo publicamente a defesa dos operários, e de Adolfo Kolping (1813-1865), criando a “Associação dos Jovens Aprendizes”, incentivaram a organização dos trabalhadores. Em 1865, já havia 318 “Associações Kolping”, com 24 mil membros na Alemanha.

Atento às transformações geradas pela Revolução Industrial, Leão XIII tratou da questão social desde o início de seu pontificado (1810-1903), publicando a Rerum Novarum – sobre a condição dos operários (1891). Suas reflexões sobre a natureza do Estado, socialismo e liberalismo lançaram as bases teológicas e filosóficas da vida política e social que iriam orientar a Doutrina Social da Igreja, dando início a um conjunto doutrinário que continua a desenvolver-se, oferecendo uma orientação segura para a atuação dos cristãos a partir do Evangelho.

Ainda que muitas soluções propostas nesse período sejam fruto da época, esses cristãos, com suas reflexões e suas lutas, deixaram claro que a pessoa é o centro de toda a vida econômica e social. Assim como eles procuraram responder aos desafios da sociedade industrial, também somos chamados a enfrentar os desafios de um mundo em contínua mudança, para que o anúncio de Cristo penetre todas as estruturas econômicas e sociais e ninguém seja deixado caído ao largo do caminho (cf. Fratelli tuttiFT 68).

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Jose Roberto Cosmo
Jose Roberto Cosmo
10 meses atrás

Oi, Marli. Não conhecia a atuação da Igreja e dos católicos antes da Rerum Novarum. Muito bom seu artigo sobre este período tão intenso de lutas operárias.

Marli Pirozelli N Silva
Marli Pirozelli N Silva
10 meses atrás

Foi um período de efervescência social e de intensa mobilização dos cristãos, em especial na França, onde católicos de classes sociais diferentes (nobres ,operários), sacerdotes, leigos, políticos se posicionaram e apresentaram reflexões e propostas que iam muito além das condições de trabalho.

As propostas sobre sistemas econômicos, salário, educação básica e profissional, trabalho infantil, papel do Estado (algumas mais conservadoras, outras mais avançadas) são surpreendentes!

Há um livro fantástico (difícil de encontrar) do Pe. Fernando Bastos D Ávila sobre este período na Franca: ” Antes de Marx”.
Obrigada Cosmo!