Os jovens, os adultos, a política melhor

Os jovens são um permanente desafio aos adultos, um inevitável questionamento, que formulam com seu próprio existir, mesmo quando não expressam: “O que fizeram com suas vidas e com o mundo? Estão nos deixando um lugar melhor do que aquele em que começaram?”. Ao mesmo tempo, o mundo adulto desafia os jovens, que precisam vencê-lo para se realizarem, transformá-lo para que se torne mais humano. Contudo, jovens e adultos não são – ou não deveriam ser – duas realidades hostis. Na verdade, se amam e se atraem, cada um depositando no outro os próprios sonhos e esperanças… O drama acontece justamente quando as pessoas concretas, com suas aspirações e limites, não correspondem às expectativas do outro.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

O mundo digital, as crises econômicas, a aparente desilusão com as democracias liberais, os desafios do mercado de trabalho e até uma inesperada e surpreendente pandemia lançam os jovens de hoje num contexto de participação social e política totalmente novo na história. Velhos e novos desafios se somam, no Brasil e no mundo, para criar uma situação aparentemente ambígua, em que tanto aqueles que apontam para a redução quanto aqueles que apontam para o aumento da participação política parecem ter razão, conforme o ângulo considerado.

Sem dúvida, estamos diante de novas formas de participação, propiciadas principalmente pelas redes sociais e os engajamentos virtuais. Contudo, é fato que as decisões ainda são tomadas segundo os parâmetros das “velhas políticas”, estruturada – no mundo todo – em democracias representativas ou governos autoritários. Ao longo dos séculos XIX e XX, as sociedades aprenderam a conviver com protestos e manifestações, greves e movimentos revolucionários. Sabemos o que esperar dessas ações políticas, os analistas conseguem avaliar – com maior ou menor precisão – suas possibilidades de sucesso e transformação social em cada contexto. Já as novas formas de participação política juvenil trazem, em grande parte, uma incerteza sobre suas consequências e desdobramentos. São mais difíceis de serem cooptados pelas forças políticas tradicionais. Representam, sem dúvida, um novo que vai surgindo, mas com desenvolvimento futuro ainda incerto.

De modo geral, a chamada participação política tradicional (em partidos e campanhas eleitorais para cargos eletivos) parece cada vez mais desinteressante para os jovens, que buscam a chamada participação direta, por meio de movimentos e manifestações, ou as novas formas de participação propiciadas pela internet. No Brasil, a participação convencional é cada vez menos atrativa – e as razões são óbvias. Os jovens (e não só eles) se sentem desiludidos com os partidos políticos e demonstram uma falta de confiança nas instituições políticas tradicionais. Segundo a Pesquisa Juventudes no Brasil 2021, apenas 1% dos jovens dizem confiar muito nos partidos políticos, enquanto 50% dizem não confiar nem um pouco; 3% dizem confiar muito no Congresso Nacional e 43% dizem não ter nenhuma confiança nele. Em comparação, no mesmo estudo, 36% dos jovens disseram confiar muito em igrejas e organizações religiosas, enquanto apenas 12% disseram não ter nenhuma confiança nelas.

Uma sadia reatividade. Na última década, com a deterioração da situação socioeconômica, o aumento dos escândalos de corrupção e a crescente polarização política, os movimentos e manifestações se tornaram cada vez mais frequentes. Estudos qualitativos, com entrevistas a jovens militantes, têm apontado, por exemplo, a importância das manifestações de 2013, inicialmente motivadas pelos aumentos nas tarifas de transportes coletivos urbanos, e as de 2015 e 2016, com a ocupação das escolas pelo movimento secundarista, para a politização dessa geração.

Fomos vendo ressurgirem, com força na cena social, tanto movimentos declaradamente de direita e conservadores – que pouco se manifestavam politicamente no período anterior, mas que ganharam voz e força nesse período – quanto movimentos considerados de esquerda, também reavivados pelo contexto polarizado. Não à toa, na contramão da tendência dominante, uma pesquisa Datafolha de 2018 encontrou aumento do interesse dos jovens em candidatar-se a cargos eletivos e atuar nos governos.

Numa dinâmica típica da revolta juvenil, governos ditos de esquerda parecem ver maior crescimento de movimentos considerados de direita; enquanto governos ditos de direita convivem com o crescimento da esquerda. Quanto mais evidente a injustiça, maior a indignação e a motivação dos jovens. O caráter reativo é inerente à dinâmica dos movimentos socio-políticos – é o esperado ao longo das mudanças de poder nas democracias. Contudo, quanto maior a ineficiência no serviço ao bem comum e a incoerência entre os ideais professados e a prática dos partidos, maior a reação encontrada. Negar as próprias insuficiências e tentar desmerecer as críticas vindas dos movimentos de oposição e dos jovens só atrasa o amadurecimento político e o desenvolvimento socioeconômico do País.

Raivosos, impotentes ou idealistas? As redes sociais são hoje o principal espaço de expressão política dos jovens. Um estudo sobre a relação com a política entre jovens chineses com perfis ativos nas redes sociais identificou três comportamentos distintos – que também podemos encontrar no Brasil. Foram denominados “militantes raivosos”, “cínicos impotentes” e “idealistas realistas”. Essas denominações não devem ser usadas para estereotipar ninguém. Referem-se mais a modelos que podem ajudar na reflexão. Grande parte da população não se encaixaria em nenhum deles, pois os jovens combinam características de um ou de outro grupo conforme o momento e a questão específica.

O primeiro grupo se identifica por uma relação visceral e agressiva com a política. Tendem a uma adesão acrítica às próprias posições e à completa negação da posição do outro, ao extremismo ideológico, à intransigência e à falta de diálogo. São os “militantes raivosos”. Não são uma novidade na cena política, sempre existiram. Contudo, as redes sociais, organizadas em “bolhas” de pensamento único, e os influenciadores, explorando cada vez mais a emotividade e o ressentimento de seus públicos, para ganhar mais seguidores, têm estimulado cada vez mais esse comportamento raivoso.

Os “cínicos impotentes” acreditam que nada irá conseguir mudar o mundo. Sendo assim, o importante é procurar se dar bem nas condições atuais. A postura desses jovens é individualista, acrítica, conformista. Formam geralmente uma maioria passiva, que pouco se expressa. Os “idealistas realistas” querem construir um mundo melhor, mas estão cientes de suas limitações e procuram trabalhar dentro delas, procurando “fazer a diferença” naquilo que lhes é possível fazer. Representam aquele tipo de jovem propugnado em inúmeros documentos do magistério católico. São os construtores de uma “política melhor”, como denominou Francisco na Fratelli tutti (Capítulo V).

Caminhos para um idealismo realista. Fomentar, na juventude, esse idealismo realista é o grande desafio não só desta, mas de todas as épocas. Passa, sem dúvida, pela capacidade de formular e articular um projeto de nação ao mesmo tempo justo e viável, capaz de mobilizar aqueles desejosos de construir o bem comum. Mas não basta só isso. Os jovens se movem por fascínio, estão descobrindo o mundo – e querem descobri-lo fascinante. Precisam do testemunho de uma vida comprometida e que vale a pena, de homens e mulheres que não se dobram ao poder, nem perdem um olhar afetuoso e realista para com tudo; gente que, mesmo diante das inúmeras dificuldades do mundo, guarda o sabor e o fascínio do encontro com Cristo.

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