Para a plena realização da liberdade de cada um, o Estado não pode se sobrepor à autonomia individual, mas também deve zelar para que essa autonomia não seja colocada em risco por propagandas enganosas e interesses escusos. Trata-se de um equilíbrio delicado, mas que não pode ser resolvido nem com truculência nem com permissividade.
Substâncias psicoativas, que alteram a percepção, o humor, a consciência e o comportamento, são sabidamente danosas tanto para os indivíduos quanto para a sociedade. Sendo assim, por que existe todo esse movimento para liberar o consumo da maconha? Qual seria a lógica desse movimento? Teorias conspiratórias, invocando intenções de destruir famílias e manipular mentes, não se sustentam para quem conhece tantos porta-vozes desse movimento bem-intencionados.
Lícito, o álcool é uma droga potencialmente danosa – e, por ser amplamente consumido, causa muito mais mortes e danos do que as drogas ilícitas. Já a proibição às drogas ilícitas foi se consolidando ao longo dos anos. A partir daí, argumenta-se que as proibições são seletivas, determinadas por interesses econômicos e políticos. Isso não muda o fato de que drogas são potencialmente danosas – e sua liberação, perigosa; mas cria-se a ideia de que seria uma ideologia repressora, e não o perigo em si, a causa da proibição.
Ainda tomando o exemplo do álcool, seu consumo moderado não é, obrigatoriamente, danoso (ainda que também não seja, obrigatoriamente, seguro). Ao longo dos séculos, a humanidade aprendeu a desenvolver bebidas e hábitos que minimizam os riscos do seu excesso. A sensibilidade e o risco de tornar-se dependente, perdendo inclusive o autocontrole, varia de pessoa para pessoa, mas cada um acredita que será capaz de consumir moderadamente, não se tornando dependente. Imagina-se que as drogas ilícitas, se liberadas, terão um destino similar ao álcool. E se alguém se prejudicar seriamente pela dependência, será um problema individual.
Nessa visão, a autonomia – e não a liberdade – é o valor supremo. Mas a autonomia é apenas uma condição para a liberdade. Fazemos a experiência da liberdade quando usamos nossas potencialidades para nos realizarmos como pessoa. Se usamos a autonomia para optar por aquilo que reduz nossas potencialidades, como acontece com a droga, não caminhamos rumo à liberdade.
Ao se propor a liberação do consumo de drogas, supõe-se que o Estado não deve incidir sobre a autonomia do indivíduo, que pode escolher ou não usá-las. Contudo, na vida em sociedade, ninguém é totalmente autônomo. Mesmo que o Estado não interfira em nossas decisões, haverá o poder da propaganda, dos influenciadores sociais, da mentalidade hegemônica, dos comércios ilegais etc. Por isso, é necessário adotar-se políticas públicas contra as drogas.