Um fundamento sempre necessário

Sociedades divididas, em conflito, permitem o enriquecimento de uns poucos, mas não constroem o bem comum. Contudo, no mundo todo, a polarização entre os diferentes grupos ideológicos tem tornado cada vez mais difícil chegarmos aos consensos básicos para a ordem política. Ao mesmo tempo, as crises econômicas que abalaram a confiança das classes médias e colocaram em risco as políticas sociais dos governos, bem como a emergência de novos atores políticos, antes marginalizados e excluídos, vêm comprometendo cada vez mais a solidariedade, como virtude universal. Todos concordam com a necessidade da solidariedade, mas encontram uma infinidade de objeções que dividem a sociedade entre aqueles que merecem e aqueles que não merecem nossa solidariedade.

Sérgio Ricciuto Conte

A amizade social não é apenas uma virtude a ser compartilhada entre cristãos e pessoas de boa vontade. É justamente a base para a superação de conflitos sociais inaceitáveis. Permite o diálogo e a empatia, condições para a construção dos justos consensos e a prática da solidariedade. É um princípio que podemos considerar “pré-político”, mas fundamental para uma “política melhor”.

O consenso, que implica um acordo geral sobre valores e objetivos, é essencial para a tomada de decisões democráticas e para a resolução de conflitos de forma pacífica. A solidariedade promove a união e a cooperação entre os cidadãos, fortalecendo os princípios democráticos de igualdade e justiça social. Na recente pandemia de COVID-19, vimos de forma dramática como respostas desencontradas, mesmo que formalmente certas, ampliaram tanto a catástrofe sanitária quanto a crise econômica. Ao mesmo tempo, as respostas solidárias emergenciais empreendidas por toda a sociedade, a existência de estruturas de saúde pública eficientes e os programas sociais de atendimento aos mais pobres foram fundamentais para minimizar o sofrimento da população e evitar ainda mais mortes.

“O princípio da solidariedade, também enunciado sob o nome de ‘amizade’ ou de ‘caridade social’, é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã […] A solidariedade manifesta-se, em primeiro lugar, na repartição dos bens e na remuneração do trabalho. Implica também o esforço por uma ordem social mais justa, em que as tensões possam ser mais bem resolvidas e os conflitos encontrem mais facilmente uma saída negociada. Os problemas socioeconômicos somente podem ser resolvidos com a ajuda de todas as formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos com os pobres, dos trabalhadores entre si, dos empresários e empregados na empresa; solidariedade entre as nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Dela depende, em parte, a paz do mundo” (Catecismo da Igreja Católica, CIC 1939-1941).

“Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional. Falamos de um diálogo que precisa de ser enriquecido e iluminado por razões, por argumentos racionais, por uma variedade de perspectivas, por contribuições de diversos conhecimentos e pontos de vista, e que não exclui a convicção de que é possível chegar a algumas verdades fundamentais que devem e deverão ser sempre defendidas. Aceitar que há alguns valores permanentes, embora nem sempre seja fácil reconhecê-los, confere solidez e estabilidade a uma ética social. Mesmo quando os reconhecemos e assumimos por meio do diálogo e do consenso, vemos que estes valores basilares estão para além de qualquer consenso, reconhecemo-los como valores transcendentes aos nossos contextos e nunca negociáveis” (Fratelli tutti, FT 211).

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