Um leigo que levou a sério da Doutrina Social Cristã

Franco Montoro é um testemunho preciso do que deveria ser um político cristão

Câmara Municipal de São Paulo/Reprodução

O Cristianismo é uma religião histórica. A Palavra do Pai se encarnou num corpo, o de Jesus de Nazaré, que após sua Páscoa continua agindo, pela força do Espírito Santo, através de uma comunidade missionária, a Igreja. 

Nada é mais importante do que a unidade entre o Corpo e sua Cabeça (Ef 5,23; Cl 1,18), em vista da transformação da nossa história numa nova criação, nova humanidade

Nosso Salvador nos transmitiu uma mensagem feliz, da parte do Pai, deu-nos o testemunho sobre ela e levou-o à perfeição pelo seu ato redentor. Conferiu aos seus discípulos a missão de perpetuar a sua obra em favor da vida em toda a sua abrangência. Foi o que os cristãos aprenderam e consignaram nas Sagradas Escrituras, que vêm alimentando nossa fé durante toda a história. Mas o Mestre não nos prescreveu receitas, não entrou na minudência da realização desse desígnio. Além da luz evangélica, contamos com a força do Espírito de Jesus, mas devemos contar também com a racionalidade da nossa ação.

A Igreja se lança na obra de transformação da cidade terrena, procura tudo permear com a caridade, fazendo o Evangelho atingir todas as instituições: a sociedade, a ciência, a economia, o direito, a cultura, a política. A tradição do Magistério da Igreja sempre fez uma afirmação muito forte: “A política é a mais alta forma de caridade”. Podemos então concluir que nada pode ser mais civilizacional do que a vivência do Evangelho. Quanto mais nos deixarmos configurar pelo Evangelho, pessoal e comunitariamente, mais estaremos levando a cidade terrestre à sua perfeição moral. O resultado de tal esforço há de ser a constituição de uma sociedade inclusiva, alicerçada na justiça e na paz. 

Isso pode parecer quimérico, fantasioso. Mas nada como testar as coisas na prática, com transparência. Para que tem servido uma bancada evangélica? Dizer que é evangélica pode ser um rótulo. Importa perguntar: De que Evangelho? Via de regra, salvo algumas exceções, ela é formada para defesa de interesses corporativos, muitos até escusos, sem compromissos reais com o povo. 

Todavia, com realismo, podemos citar homens e mulheres que levaram a sério a doutrina social que a Igreja prega. Dentre esses nomes, a pessoa e a missão de André Franco Montoro, falecido há 25 anos, que muitos conhecemos e com quem trabalhamos, foi um luminoso exemplo de compromisso político, alimentado pela fé cristã. Inicialmente militou na Democracia Cristã, mas nunca postulou uma bancada católica. Ser católico em política é perseguir o ideal não de qualquer simulacro de Evangelho, mas o de Jesus, isto é, dar visibilidade aos invisíveis, promover centralidade aos pobres, fazendo boas, criativas, participativas e eficientes políticas públicas. Cristo não veio para criar burocracias, mas para fazer nascer um Reino de pessoas solidárias, compassivas, comprometidas com os valores humano-espirituais, que são os que realmente dignificam uma sociedade. É por aí que passa o desígnio de Deus, de vida e liberdade para todos.

Franco Montoro valeu-se dos dons que Deus lhe deu (fé, educação, cultura, lucidez, sensibilidade, competência) para aprimorar nossas instituições e oferecer a todos, mas sobretudo aos pobres, uma vida digna, através do solidarismo cristão. Iluminado pelo Evangelho e a Doutrina social da Igreja, pelos exemplos dos filósofos Maritain e Mounier, dos políticos europeus Schumann, Adenauer e De Gasperi, pelos padres Calvez SJ e Lebret OP, estimulado pelas encíclicas sociais de São João XXIII e São Paulo VI e pelo Concílio do Vaticano II, empenhou-se efetivamente e conseguiu demonstrar que os leigos podem e devem ser protagonistas  na  construção de um país mais humano, solidário, sem corrupção e violência.

Em nosso país não é muito comum ética e política convergirem, Franco Montoro demonstrou que isso é possível. Que seu exemplo possa contribuir para, nesta campanha eleitoral de tanto palavreado vazio, abrir nossa inteligência para discernir qual o papel de um político num país que deseja ser democrático, eficiente e sem desigualdades. 

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