Uma posição humana capaz de acolher incondicionalmente a vida

Numa sociedade na qual muitas vezes é invocada maior qualidade de vida, raramente vem à tona aquele elemento fundamental que permite à vida ser vivida: a acolhida. Em tal contexto, se torna ainda mais fundamental recuperar as motivações espirituais mais profundas da acolhida.

A defesa da vida, em nossos tempos, implica em grandes embates de caráter político e legal. Contudo, em seu fundamento e em sua universalidade, trata-se de uma questão de acolhida – acolhida à vida que chega, à vida que se vai, à vida sofrida e violentada, à vida que perdeu tudo. Uma sociedade ideal, onde todos praticássemos a acolhida incondicional a toda a vida, não comportaria a “cultura da morte”. 

A acolhida e a hospitalidade estão profundamente arraigadas no coração humano. Encontramos suas manifestações nas mais diferentes culturas, das sociedades tribais ao mundo globalizado. Mas, nas situações limite, quando aquele que chega – ou mesmo aquele que já está entre nós, mas enfrenta um momento de fragilidade – parece nos incomodar ou nos ameaçar, o individualismo e a autodefesa parecem muitas vezes falar mais alto. Nestes momentos, a acolhida precisa de um outro fundamento para determinar nossa conduta e até o modo de ser da sociedade.

Os mosteiros beneditinos, pedras fundamentais da reconstrução da civilização europeia no início da Idade Média, se orientam pela Regra de São Bento, que preconiza: “Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como Cristo, pois Ele mesmo dirá: ‘Fui hóspede e me recebestes’ […] O Abade deve se lembrar de que, no juízo final, será questionado sobre a maneira como tratou os hóspedes” (Capítulo 53). A acolhida incondicional é a maior imitação do amor de Deus que o ser humano pode viver. A acolhida é a realização em grau supremo da caridade, do reconhecimento de Cristo, de Deus que nos amou. Acolhemos porque somos acolhidos; amamos porque somos amados.

O milagre da hospitalidade traz conversas entre o sacerdote italiano Luigi Giussani e os membros das Famílias para a Acolhida, uma rede de famílias que se apoiam mutuamente em experiências de acolhimento familiar, tais como adoção, guarda compartilhada, hospitalidade e cuidado com idosos, doentes e pessoas com deficiência. Nesses diálogos se evidencia uma posição humana diversa daquela hegemônica em nossa sociedade, não só capaz de acolher à vida em suas ameaças mais extremadas, mas também no contexto mais trivial da experiência cotidiana das famílias.

GIUSSANI, Luigi. O Milagre da Hospitalidade. São Paulo: Editora Companhia Ilimitada, 2006.

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