Em setembro de 2018, Vinicius Junior realizava o sonho de muitos jogadores de futebol: vestir a camisa do tradicional Real Madrid. Entretanto, desde 2021, Vini Jr. tem lidado com a incerteza de que entrará em campo apenas para mostrar seu talento ou terá de também ‘driblar’ os insultos racistas, vindos dos adversários em campo e das arquibancadas.
O brasileiro tem sido o alvo preferencial dos insultos racistas na La Liga, com dez casos já registrados. O que explica essa recorrência? Por que ainda há tantos casos de racismo no futebol? Sobre essa temática, a reportagem conversou com o Prof. Dr. Neilton Ferreira Júnior, da Universidade Federal de Viçosa e membro do grupo Esporte pela Democracia, com doutorado pela Escola de Educação Física e Esporte da USP, um dos organizadores do livro Racismo e Esporte (São Paulo: Editora Tato, 2023)*.
Uma explicação é conjuntural: em um cenário de escassez de empregos também no Velho Continente, Vini Jr. personifica, para muitos torcedores, a figura do estrangeiro que “rouba” os postos de trabalhos: “O Vinicius Junior representa, no imaginário pós-colonial europeu, o imigrante que chega para tirar o emprego dos locais. Essa análise simplista sobre o problema do desemprego vai conduzir os olhares para essa culpabilização externa. E esse problema econômico ganha a possibilidade de ser vocalizado no futebol, espaço de êxtase coletivo, em que uma série de desejos, tensões e afetos são produzidos e externalizados”, comenta Neilton.
“Será que ele é tão vítima assim?”. Quando tais episódios ocorrem, há um amplo juízo moral de condenação a quem os pratica, mas não quando o alvo dos insultos é sempre o mesmo atleta. “No imaginário social e futebolístico, as vítimas do racismo teriam o direito de denunciar o fato apenas uma vez. Na segunda, já se interpreta como uma espécie de aproveitamento da situação para poder dar mais força ao seu capital político e social. Assim, se esses indivíduos vocalizam uma defesa de si mesmos e da sua comunidade dentro de uma ótica antirracista, passam a ser combatidos por um segundo grupo, formado por aqueles que combatem a luta antirracista, que vão depreciá-la, e colaboram para que nas redes sociais se inflamem processos de culpabilização da vítima. E este segundo grupo o juízo moral não consegue capturar”, prossegue Neilton.
Não basta fazer ressoar individualmente a voz das vítimas, destaca Neilton. É preciso que elas se unam e encontrem apoio na sociedade para a eliminação da ideia de superioridade de uma raça sobre outra. Em seu entender, também é indispensável que o antirracismo se torne uma regra do futebol, com punições objetivas a quem a viole; e que este esporte seja menos atrelado aos aspectos financeiros e comerciais: “Não se conseguirá vencer o racismo no esporte sem superar a forma capitalista que ele assumiu, que entre outras coisas, conduz a uma forma de desumanização e de coisificação dos corpos dos jogadores, que ao ser transformados em mercadoria não conseguem estabelecer com o público qualquer tipo de relação de reconhecimento, tampouco de sua identidade racial”.
* A íntegra da entrevista está disponível em https://curtlink.com/KRaC1go.