A Bíblia é sagrada

Acaba de ser aprovado, na Câmara dos Deputados, projeto de lei que veda qualquer alteração no texto da Bíblia. A matéria segue, agora, para a apreciação do Senado.

Quem, afinal, poderia marchar contra tão importante proposição?

Trata-se, aparentemente, de iniciativa de certo guardião das Escrituras que quer evitar, a todo o custo, adulterações capazes de induzir os fiéis sobre conteúdos contrários à mensagem que o Senhor Deus transmitiu ao longo da tradição oral e escrita.

No entanto, a proposta não ganhou adesão unânime. Pelo menos três partidos, curiosamente pertencentes a campos opostos do espectro político (se é que existe, de fato, algum espectro político digno desse nome nestas plagas…), marcaram posição contrária ao proposto.

E qual foi o principal argumento da corrente contrária a tão relevante quanto fundamental norma? A de que o Estado é laico; de que existe separação entre Estado e Igreja. 

Quem faz fé nisso ignora as disposições constitucionais que, desde o preâmbulo, fazem referência a Deus e, ainda por cima, garantem aos templos de qualquer culto a imunidade tributária. Esses registros seriam, obviamente, incompatíveis com a summa divisio entre Estado e Igreja. Deus só existe para os crentes e, como bem sublinhou Jesus, deve se dar a Cesar o que é de Cesar e, de imediato, revogada a imunidade dos templos.

Mas, deixando de lado as considerações acacianas, vamos ao mérito.

A Bíblia é Sagrada porque toda ela recebe inspiração divina, a partir da coerente construção dos seus distintos livros. O sagrado do Texto Sagrado emana de todas as palavras revestidas de sentido único, derivadas que são da Palavra, isto é, do Verbo divino que se fez presença entre os homens. 

Nenhum dos versículos bíblicos pode carecer de sentido dentro do respectivo contexto. 

Há, porém, detalhes derivados da diferente compreensão teológica de correntes de pensamento religioso que incluem ou excluem certos livros do Texto Sagrado, por entenderem que essas inclusões ou supressões asseguram a melhor harmonização do texto no seu todo considerado. 

Poderia o Estado se arvorar em poder de conferir o imprimatur para só esta ou aquela versão da Bíblia, que é Sagrada? Evidentemente que não. E aqui, sim, se encontra a garantia fundamental (direito humano em sentido estrito) da liberdade religiosa. 

Todo aquele que confia na Bíblia, palavra de Deus semeada no meio do povo, como tão elegantemente exprime certo hino litúrgico, tem o direito de escolher a edição com a qual melhor possa se aproximar, sempre mais, do Sagrado. 

Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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