A diferença entre as amizades que acabam e as que duram

Sergio Ricciuto Conte

Em artigo anterior (“O que é a amizade?”, ed. 3.365, 29/09 a 5/10), refletimos sobre o que é a amizade a partir das contribuições da filosofia grega, em especial, Platão. Neste, debruçaremo-nos sobre o porquê há amizades que duram enquanto outras acabam rápido.

Aristóteles (384/383-322 a.C.), em “Ética a Nicômaco”, afirma que a amizade, embora seja necessária à vida e o ser humano não possa prescindir dela, pode se constituir sobre dois motivos acidentais que não permitem que seja duradoura: o prazer e a utilidade. “Os que amam por causa da utilidade, amam pelo que é bom para eles mesmos, e os que amam por causa do prazer, amam em virtude do que é agradável para eles, e não pela pessoa amada em si mesma por aquilo que é, mas enquanto lhe é útil e lhe proporciona prazer. Por isso, estas amizades são acidentais; de fato, aquele que é amado não o é por aquilo que é, mas enquanto oferece ora um bem, ora um prazer. Portanto, amizades assim facilmente acabam, pois as pessoas não permanecem iguais, e, quando não são mais prazerosas e úteis, termina a amizade. O que é útil não dura, mas muda de acordo com as circunstâncias. Esvanecendo o motivo pelo qual eram amigos, a amizade se desfaz, pois a amizade existia em função desta utilidade.”

Essas características, segundo Aristóteles, são encontradas frequentemente na amizade entre os jovens, que por isso são muitas vezes volúveis e evanescentes: “A amizade dos jovens, por outro lado, parece buscar o prazer, pois eles são guiados pela emoção e buscam acima de tudo o que lhes é agradável e o que têm imediatamente diante dos olhos; mas, com o correr dos anos, os seus prazeres mudam. É por isso que fazem e desfazem amizades rapidamente: sua amizade muda com o objeto que lhes parece agradável, e tal prazer se altera bem depressa […]. É por isso que tão depressa se apaixonam como esquecem a sua paixão […]. Mas é certo que mesmo eles desejam passar juntos os seus dias e ter vida em comum, pois só assim alcançam o propósito da sua amizade”.

Para Aristóteles, apenas pessoas que buscam o bem podem viver amizades duradouras: “A amizade perfeita é a das pessoas que são boas e afins na virtude, pois essas desejam bem uma à outra igualmente […]. Ora, as que amam os seus amigos por eles mesmos são as mais verdadeiramente amigas, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente. Sua amizade dura porque são boas – e a bondade é uma coisa muito estável. E cada um que é bom, o é em si mesmo e para com o seu amigo […]. Uma tal amizade é, como seria de esperar, estável, já que eles encontram um no outro todas as qualidades que são necessárias para os amigos […]. Numa amizade desta espécie, as outras qualidades também são semelhantes em ambos; e o que é irrestritamente bom também é agradável no sentido absoluto do termo, e essas são as qualidades mais apreciáveis que existem”.

Aristóteles reconhece, porém, que amizades assim são raras: “Mas é natural que tais amizades não sejam muito frequentes, pois que tais pessoas são raras. Acresce-se que uma amizade dessa espécie exige tempo e familiaridade. Como diz o provérbio, as pessoas não podem se conhecer mutuamente enquanto não tiverem ‘provado sal juntos’; e tão pouco podem aceitar uma à outra como amigas enquanto cada uma não parecer estimável à outra e esta não depositar confiança nela”. Mesmo que seja difícil, não devemos renunciar ao desejo de ser e ter um amigo assim. O mundo atual precisa de pessoas que não renunciam a viver amizades verdadeiras.

Ana Lydia Sawaya é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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