A importância da educação litúrgica para os leigos

O Concílio Vaticano II estimulou a leitura da Bíblia e o estudo da Teologia para os leigos; ao mesmo tempo que teólogos e exegetas se dedicaram, ao longo do século XX, a estudar os antigos textos patrísticos e da tradição da Igreja, colocando-os à disposição de todos em língua vernácula, por meio de sua tradução e livre acesso. Mas não só isso: o Concílio mudou também a forma como a Igreja se concebe a si mesma e o seu caminho na história como povo de Deus, que, unido nos seus vários carismas e responsabilidades, recebe, por influência do Espírito Santo, a força para o anúncio de Cristo Senhor do cosmos e da história. 

Esta mudança, que ainda vivemos, deixa muitas questões sobre como celebrar a fé e o anúncio cristão de forma persuasiva para as pessoas de hoje. Muitas vezes, tentamos reconhecer a importância do povo de Deus, sobre o qual o Espírito Santo atua, com uma espécie de “clericalização” do leigo, dando-lhe tarefas para realizar junto com o presbítero nas celebrações litúrgicas dominicais, mas colocando em segundo plano os modos e os tempos para ajudar o leigo a viver sua vida de fé por meio de um acesso mais profundo ao conhecimento da Bíblia, da tradição da Igreja e da liturgia. 

Na América Latina, incluindo o Brasil, a escassez de padres e paróquias, o grande crescimento de comunidades evangélicas ou mesmo de novas comunidades leigas católicas tornou-se uma realidade cada vez mais notável. É reconhecido por muitos que as novas comunidades leigas representam hoje a experiência mais efervescente da Igreja em muitos países. E aqui é essencial, ainda que brevemente, levantar a questão da importância de se conhecer a tradição litúrgica. 

A vida de uma comunidade celebrante purifica continuamente a tradição litúrgica por meio da experiência e contribuição de muitas sensibilidades, sobretudo daqueles que têm qualidades artísticas excepcionais. Muitas vezes, na urgência e no afano de viver melhor o ser comunidade orante, comunidades paroquiais ou não lançam mão de canções, pinturas, esculturas, gestos litúrgicos, feitos à última hora por pessoas sem grandes dons artísticos e, sobretudo, com pouco conhecimento da arte e da tradição litúrgica, de modo que este empobrecimento litúrgico se traduz, inevitavelmente, também no empobrecimento da experiência eclesial. Há uma diferença entre um canto litúrgico, uma pintura sacra ou uma escultura que permanecem ao longo dos séculos por sua qualidade artística e beleza, ou seja, por sua capacidade de mover e mudar o coração humano, e aquelas obras de arte, se podemos chamá-las assim, que depois de pouco tempo nos cansam, e por isso são rapidamente esquecidas ou postas de lado. 

Por isso, é urgente multiplicar espaços que ensinem liturgia aos leigos e que sejam adequados à realidade de quem trabalha ou tem família. Os cursos litúrgicos para leigos poderiam, além de explicar o que, como, por que se celebra e outros aspectos importantes para a compreensão da liturgia da missa, ensinar aos leigos a Liturgia das Horas, a música litúrgica, a arte sacra e sua história. A Igreja desenvolveu, por meio da experiência da fé leiga, especialmente monástica, uma liturgia muito profunda e rica que sustentou homens e mulheres na fé durante milênios, mas que hoje é quase desconhecida pelos leigos. Não nos esqueçamos de que a fé, para sobreviver e ser testemunhada, precisa de uma vida que seja litúrgica! 

Ana Lydia Sawaya é monja beneditina camaldolense do Mosteiro da Encarnação, em Mogi das Cruzes (SP). 

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

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