A Palavra de Deus e a Doutrina Social da Igreja

No mês de setembro, somos convidados a refletir mais intensamente sobre a Bíblia. Convém não perder de vista que a Palavra de Deus e a Doutrina Social da Igreja (DSI) constituem duas fontes complementares e que, por isso mesmo, não podem ser conjugadas em separado. A primeira é a nascente privilegiada e primordial da segunda, como o é, aliás, de toda a catequese e liturgia, bem como do ensinamento cristão em seu conjunto.

A coluna vertebral da DSI assenta-se sobre a dignidade de toda pessoa humana, Boa Nova que transparece na mensagem, gestos e palavras de Jesus de Nazaré. Tal dignidade, por seu turno, relaciona-se diretamente ao trabalho como meio de colaborar com a Criação. Aqui poder-se-ia acrescenta os três “T” do Papa Francisco: terra, teto e trabalho. Vale lembrar que no centro da prática de Jesus encontra-se o Reino de Deus, e no centro deste último estão os pobres e indefesos, vulneráveis e marginalizados – duas centralidades absolutamente inegociáveis.

Ademais, o ensino social da Igreja, expressão usada desde o Papa Paulo VI, na carta apostólica Octogesima adveniens (1971), desde seu documento inaugural (carta encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII, de 1891), se sustenta sobre alguns pilares ou alicerces fundamentais. O primeiro deles é a conquista e defesa dos direitos básicos de todo ser humano como filho e filha de Deus: alimento, vestuário, moradia, educação, saúde, transporte, lazer – cuja porta de entrada é justamente o acesso ao trabalho.

Trabalho e direitos humanos, por sua vez, pressupõem o pilar de uma cidadania justa, digna e ativa. Entram em cena, a essa altura, a abertura de canais, instrumentos e mecanismos para a participação popular nos destinos da sociedade. Não basta delegar a alguns representantes, pelo voto, as decisões fundamentais sobre os destinos do País. Torna-se necessário, além disso, acompanhar de perto suas ações e seu compromisso com as causas da população de baixa renda. Votar e participar se complementam e se reforçam reciprocamente.

Nas últimas décadas, e em especial na encíclica Laudato si’, do Papa Francisco (2015), a DSI vem trazendo à tona a relação entre economia e natureza; se quisermos, entre a obra do ser humano e a obra do Criador. Na verdade, desde um ponto de vista teológico, não se trata de duas histórias separadas e paralelas, e sim de duas dimensões do mesmo projeto de salvação. Em uma palavra, Deus assume e reveste o trabalho humano com sua luz, sua graça e sua misericórdia. Podemos ver isso no conceito apocalíptico da “Jerusalém celeste”.

Aqui chegamos à Carta de São Paulo aos Efésios, livro que a Igreja nos propõe para a reflexão deste ano no Mês da Bíblia. Segundo o texto da carta, a sabedoria de Cristo, revelação visível do Deus invisível, envolve a criação como um todo, contemplando igualmente toda a humanidade. Isto é, em Cristo, Deus reúne todos os homens e mulheres num horizonte de justiça, paz, união e solidariedade, sem qualquer tipo de exclusão e discriminação. A Igreja, em sua unidade, seu anúncio e seu ensinamento, constitui o sinal vivo e vivificante do amor e da reconciliação de todos os seres humanos como “novo povo de Deus”. Por isso, de acordo com os conceitos do apóstolo Paulo, a Igreja é simultaneamente “esposa, corpo e edifício” de Cristo.

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