A recepção da Dilexi te e o debate ideológico 

A primeira exortação apostólica do Papa Leão XIV, Dilexi te, está completando dois meses. Bom tempo para analisarmos sua recepção imediata… Era inevitável que uma exortação apostólica dedicada ao “amor aos pobres” provocasse celeuma e debates ideológicos. Para quem acompanha a recepção dos documentos pontifícios tanto na comunidade eclesial quanto nos meios de comunicação laicos, Dilexi te foi até mais consensual do que o esperado. Contudo, algumas reações são dignas de nota, pois nos ajudam a entender melhor os perigos interpretativos que nós mesmos corremos. 

Não faltou quem dissesse que Leão XIV confirmava o caminho da Teologia da Libertação (TdL), tal como trilhado no século XX; como também não faltou quem dissesse que apresentava a opção pelos pobres sem o ranço ideológico do marxismo que contaminou a TdL daquela época. Vistas positivamente, as duas leituras podem ser consideradas corretas. Contudo, seu perigo é que ambas se reportam a um debate do passado, que já devia ter sido superado, ao invés de olhar para os desafios atuais e os caminhos para o futuro que a exortação propõe. 

Peculiar foi a leitura de quem considerou faltar à Dilexi te uma posição mais clara e propositiva, uma crítica mais incisiva a um lado ou outro do espectro ideológico. Para quem fez esta crítica, Leão XIV não conquistou os corações nem de um lado nem do outro, pela falta de contundência. O texto da exortação, na verdade, é muito forte. Desagrada a gregos e troianos, em certa medida, porque tanto valoriza quanto condena aspectos de ambos os lados – não é um texto “partidário”. Este é um grande problema em nossa sociedade dividida: os mais extremados não se contentarão com nada que não seja a condenação absoluta do outro lado e a defesa acrítica de suas próprias posições – e isso a Igreja nunca irá fazer! 

No caso dos grandes documentos do Magistério católico, a ideologia está nos olhos de quem lê, não nas mãos de quem escreve… Nenhum ser humano está livre de um olhar ideológico sobre a realidade, assim como não está livre de cometer pecados. Como acontece com o pecado, também a ideologia exige uma atenção e um trabalho contínuo de conversão e purificação de nossa parte. Mas é inegável que os documentos magisteriais são um contínuo convite à Verdade e à caridade. Graça do Espírito Santo, diremos nós que cremos; fruto da sabedoria histórica e da convergência das várias tendências existentes entre os católicos, dirão aqueles que não creem, mas analisam esses materiais com olhos isentos de preconceito. 

Dilexi te nos anuncia o amor aos pobres como um elemento constitutivo da mensagem cristã desde suas origens, mostra que a “opção preferencial” é uma formulação atual desse compromisso histórico e inescapável, se queremos ser fiéis ao Evangelho. Para quem deseja se converter cada vez mais a Cristo, o texto não deixa dúvidas. Também não deixa espaço para quem quer separar o compromisso com o pobre da sua vida de fé, alegando que se trata de um discurso ideológico. 

Por outro lado, não apresenta fórmulas prontas sobre como deve se concretizar o amor aos pobres nos tempos atuais. Alerta para alguns erros mais evidentes, como a negação dos deveres do Estado ou da renúncia à esmola muitas vezes necessária, mas sem transformar as indicações em fórmulas a serem aplicadas indiscriminadamente. Cabe a nós, como cidadãos e comunidades, encontrar as melhores vias. No último século, o mundo avançou no combate à pobreza. Existem muitos casos de sucesso, mas também fracassos retumbantes. O que sempre permanece é o fato de que o amor e a solidariedade são os melhores caminhos. 

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