Num passeio no Mosteiro da Esperança (do Irmão Bernardo), no Vale da Páscoa, ao adentrar o sacrário, o letreiro de madeira “Ore e trabalhe” me trouxe à lembrança uma reflexão dos tempos acadêmicos.
“Ore e trabalhe” é uma regra beneditina imperativa e determinante à vida monacal. O ócio é inimigo da alma. Os irmãos devem estar ocupados, em tempos determinados, com o trabalho manual e em horas determinadas também à leitura divina.
Essa regra não pode ser aplicada também à vida de cada batizado, mesmo que não faça parte de nenhuma ordem religiosa? Pode produzir bons frutos, evitar o ócio, não se deixar levar pela preguiça e indolência e se dedicar ao trabalho com toda a atenção, bem como se alimentar da Palavra de Deus. Orar constantemente faz com que elevemos o espírito e o entendimento para dialogar com Deus e, se observarmos os três passos recomendáveis: reconciliar-se com o próximo, reconciliar-se com Deus e reconciliar-se consigo mesmo, a comunhão se fará plena. Essa regra monástica, ainda, nos faz recordar a orientação de São Francisco de Assis a todos os que o seguiam, de que cada um carrega consigo uma gruta, onde quer que esteja e disponível quando quiser. Referia-se ao corpo como a gruta, e a alma como o ermitão que nele habita para contemplar e dialogar com Deus. Convenhamos: é algo que pode ser assumido por todos os batizados. Sim, somos fiéis, agentes ativos da Igreja que devem caminhar incessantemente em busca da santidade, apesar de todas as imperfeições humanas.
A outra prática nos mosteiros em que tudo era partilhado recorda o descrito na Didaqué pelas primeiras comunidades cristãs. Partilhava-se tudo: a oração, o pão, o trabalho e o fruto que dele resultava. Tudo estava a serviço de Deus, inclusive o trabalho nas bibliotecas, nas oficinas, nos campos lavrando a terra e o plantio para a subsistência. Não será um modelo de vida para os tempos atuais? Basta um pouco de imaginação para transportar e adotar práticas análogas, fazendo com que o testemunho de nossas vidas possa inspirar os que não professam fé alguma ou se declaram ateus ou agnósticos que tendem a ser maioria, se nenhum esforço de evangelização for feito para evangelizar os povos. Podemos numa simplificação singela entender que tal cenário de partilha corresponde às proposições da Doutrina Social da Igreja (DSI).
Os monges não se descuidavam da obra social. Cuidavam dos pobres provendo-lhes sustento; dos viajantes e peregrinos, dando-lhes abrigo, ou seja, não eram fechados em si, nem fechavam os mosteiros à comunidade. Eram atuantes e antenados com tudo que afligia o povo e nunca deixavam de atender a quem lhes solicitasse ajuda.
Não é uma grande ironia e imenso paradoxo quando se faz a análise e se conclui que o homem parece tudo poder, mas não consegue o básico, o essencial à sobrevivência humana: trabalho digno a fim de prover o seu alimento, a sua educação, a sua roupa, o seu teto, o seu bem-estar, o seu lazer, para não falar da independência e da sua liberdade para bem dirigir a sua própria vida, inclusive espiritual? Afinal, é isso que a Doutrina Social da Igreja propõe quando defende o princípio da dignidade da pessoa humana!
No mundo atual, falta o espírito monástico, falta-nos o monge.
Sobra-nos o espírito de consumo e materialismo, o de competição extremada, o da burguesia dos tempos modernos: busca do conforto e do prazer desmedidos. Sociedade insaciável em que Deus é ilustre desconhecido e o mundo, uma aldeia global onde o pajé é o poder econômico!
Sobra-nos esse espírito burguês inclusive nos mosteiros.