Junto com a Festa da Apresentação do Senhor, celebramos no último 2 de fevereiro o Dia Mundial da Vida Consagrada e Religiosa, instituído em 1997 por São João Paulo II para rezarmos de modo especial pelos homens e mulheres que, como o justo e piedoso Simeão e a profetisa Ana, esperam a consolação do povo de Deus e servem a Ele dia e noite no Templo, com jejuns e orações (cf. Lc 2,25.37).
Uma primeira distinção é importante, para termos clareza: vida consagrada é um termo um pouco mais amplo do que vida religiosa. De fato, são consagrados os fiéis que assumem livremente a obrigação de viver com radicalidade os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência – os quais, para os demais cristãos, são apenas propostos como ideal (Catecismo da Igreja Católica, CIC 915). Existem consagrados que vivem sozinhos, retirados do mundo (os chamados eremitas), e outros que vivem no meio do mundo, e não em mosteiros (as virgens e viúvas consagradas). Já a vida religiosa agrega todo um estado de vida particular, caracterizado pela vida em comum nos mosteiros e conventos, pelo culto a Deus por meio da liturgia da Igreja e pela profissão pública dos votos (CIC 925).
No nosso mundo cada vez mais utilitarista, não é raro levantar-se a questão sobre o sentido e a utilidade da vida consagrada e religiosa – sobretudo tratando-se da vida contemplativa. Não seria, afinal de contas, um desperdício de valiosos recursos humanos que jovens moças e rapazes, no pleno vigor de suas energias, se confinassem em mosteiros e passassem a vida inteira, milhares e milhares de horas, “sem fazer nada”? No fundo, a crítica não é nova. Para citar um autor muito apreciado pelo Papa Francisco, Dostoiévski já colocava na boca de um bêbado e lascivo bufão as mesmas acusações, inspiradas no materialismo socialista russo: “Padres monges, por que jejuam? Por que esperam receber por isso recompensas no céu? Ora veja, por uma recompensa como essa, até eu vou jejuar! Não, santo monge, procura ser virtuoso em vida, traze proveito à sociedade não te encerrando no mosteiro, comendo o pão já pronto e esperando a recompensa no Céu (…) [E] quem trouxe tudo isso para cá? O mujique [camponês] russo, o trabalhador, que traz para cá a migalha ganha com suas mãos calosas, tirando-a da família e das necessidades do Estado! Ora, santos padres, os senhores sugam o povo!” (Irmãos Karamázov, ed. 34, pp.137-8).
São críticas muito graves, e a resposta para elas é dupla. Por um lado, mesmo do ponto de vista puramente humano e material, a vida consagrada é utilíssima para a sociedade, como a história demonstra. Após a queda de Roma, por exemplo, quando a antiga civilização greco-romana estava em escombros e a Europa era um conjunto de povos bárbaros sem nenhuma ordem social, foram os monges que construíram uma nova civilização, inclusive do ponto vista técnico e agrícola, transformando terras pantanosas em férteis plantações (cf. Thomas Woods Jr., Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental, p. 28ss). E ainda hoje, em nosso País e no mundo inteiro, as freiras e frades, as monjas e os monges católicos são responsáveis por inúmeras obras sociais: de colégios a hospitais, de maternidades a asilos.
No entanto, a resposta definitiva para essa miopia materialista é reconhecer que a vida consagrada tem sim como principal finalidade uma dimensão espiritual. Nós, cristãos, não temos nesta terra uma cidade permanente, e o estado religioso serve para nos lembrar disso (cf. Lumen gentium, 44): os homens e mulheres que renunciaram ao grande bem do matrimônio e da constituição de uma família, ao êxito profissional e ao reconhecimento social, são um poderoso sinal de que a única coisa que realmente importa nesta vida é a união com Cristo e a espera fervorosa do seu regresso (CIC 1619).
Agradeçamos a Deus pela vida consagrada, e rezemos pelos homens e mulheres que assim se entregaram a Deus, para que os confirme sempre mais em sua fidelidade e devoção, para o bem da Igreja e da humanidade.