O que é ser cristão? Como explicar a vida do cristão? As respostas podem ser muitas e com fundamento bíblico: é ser filho e filha de Deus; é ser da família de Deus; é ser membro da Igreja, povo de Deus; é ser discípulo de Jesus Cristo; é viver conforme o Evangelho. Tantas outras ainda poderiam ser as tentativas de definição do que significa ser cristão, algo tão rico e profundo, que não poderia ser resumido em um único conceito.
Gosto muito de pensar que os cristãos são os “amigos de Jesus”, como o próprio Jesus chamou os apóstolos na última ceia: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos próprios amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,13-15). Essas palavras aparecem em um contexto fortemente emotivo e humano, que envolve Jesus e seus apóstolos, sentados à mesa da ceia de despedida. Jesus precisava sentir a presença e a fidelidade dos amigos. Mas também queria que eles soubessem quão profundo era o amor e a comunhão de vida que tinha com eles. Ser amigo é ter parte na vida do amigo, sem segredos, com toda confiança. E queria que soubessem que Ele enfrentaria a paixão e a morte como demonstração do seu amor por eles: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o extremo” (Jo 13,1).
Em diversas outras passagens do Evangelho, o conceito de amigo aparece nos lábios de Jesus. Quando lhe avisam que Lázaro está doente, Jesus diz: “Nosso amigo Lázaro adormeceu. Mas eu vou acordá-lo” (Jo 11,11). Jesus era amigo dos irmãos de Betânia – Marta, Maria e Lázaro (cf. Jo 11,5). Após o beijo traidor de Judas, Jesus o interpela: “Amigo, para que vieste?” (Mt 26,50). A traição do amigo é muito dolorosa! E Jesus emprega o conceito também em várias parábolas, sempre denotando proximidade, confiança e liberdade no trato: “Amigo, empresta-me três pães” (Lc 11,5). Ele mesmo foi acusado pelos seus detratores de ser “amigo de publicanos e pecadores”, uma vez que os acolhia, ia ao encontro deles e usava de misericórdia para com eles (cf. Mt 11,19; Lc 7,34).
Se observarmos com atenção os primeiros cristãos, veremos que eles se compreendiam como “amigos de Jesus” e assim são identificados pelas pessoas que os veem. Essa amizade com Jesus os levava a viverem unidos na escuta da Palavra de Deus, nas orações em comum, na partilha dos bens e na fração do pão, que podia ser tanto a celebração da Eucaristia quanto a prática da caridade para com os pobres. Eles sabiam que Jesus os reunia e estava com eles (cf. At 2,42-47; 4,32-35). Também São Paulo traz essa característica em sua missão: Ele não é um pregador solitário, mas vai sempre acompanhado de amigos e companheiros, moldando as suas comunidades para que cultivassem verdadeiros sentimentos e atitudes de comunhão e amizade, tendo sempre Cristo Jesus em seu meio. Paulo oferece os motivos mais profundos para superar toda forma de divisão, rixa, malquerença e inimizade: porque todos estão unidos entre si como os membros de um mesmo corpo, do qual Cristo é a cabeça (cf. Rm 12,3-21; 1Cor 12,12-31).
Talvez alguém compreenda a vida cristã como um conjunto de proibições e deveres pesados, suportados a duras penas. Seria uma pena priorizar proibições e deveres que, certamente, também existem na vida cristã, mas como decorrências de algo muito valioso, que é a graça de sermos filhos e filhas de Deus, amigos de Jesus Cristo, membros do povo santo de Deus. Isso é infinitamente precioso e, ao nos darmos conta desse imenso dom, as proibições e obrigações passam a ser vistas como consequências naturais para honrar os dons recebidos. A observância dos mandamentos da Lei de Deus é uma decorrência necessária da acolhida do dom da filiação divina; o chamado a viver conforme o Evangelho decorre do fato de sermos discípulos e amigos de Jesus.
Os discípulos e amigos de Jesus também abraçam a missão de evangelizar o mundo, não simplesmente como obrigação imposta, mas pela alegre convicção de que é importante proceder assim, para que o Amigo seja anunciado e conhecido e muitos outros possam beneficiar-se do dom dessa amizade divino-humana. Foi assim que tantos, ao longo da história, deixaram tudo por amor a Jesus e ao Evangelho e foram capazes de “perder a vida” por Ele e o Evangelho, até mesmo no martírio. Viver as “obrigações morais” não é imposição, mas consequência necessária da vida que convém à dignidade do cristão, filho de Deus e amigo de Jesus Salvador.