Amizade social

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano – a amizade social – não poderia ser mais atual. Vivemos em uma sociedade cada vez mais desagregada e hostil, tanto pela já tradicional criminalidade em nossas ruas (que em 2023 ceifou a vida de mais de 40 mil pessoas, ou 110 pessoas por dia), quanto pela mais recente polarização política e ideológica, que de uns anos para cá tem dividido famílias, rompido velhas amizades e colocado um cidadão de bem contra outro. E, no entanto, todos nós, como seres humanos, temos necessidade uns dos outros: não só pela nossa dependência material de serviços que os outros nos prestam, mas também pela necessidade psicológica e espiritual de nos relacionar com os outros. Quem não se lembra, afinal, dos dramas do confinamento forçado da pandemia? Não cabe, portanto, “fugir para as montanhas” – e nem para os bunkers

Como fazer? O convívio social está doente, mas qual a solução? Uma das condições para a convivência social sadia é, sim, a paz, entendida como a manutenção de uma ordem segura e justa. Nossa fé nos ensina que cabe a César assegurar, pelas leis e pela força pública, a segurança da sociedade e dos seus membros (cf. Catecismo da Igreja Católica, CIC 1909). As instituições sociais devem também seguir “uma justa hierarquia dos valores, subordinando as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais” (CIC 1886). Isso exige que se respeite em primeiro lugar a dignidade de cada vida humana.

Mas, se essas medidas institucionais e estruturais são importantes para a construção de um sadio convívio social, elas não eximem cada um de nós de sua responsabilidade pessoal. A solução para as grandes crises mundiais sempre foi, e continua sendo, a santidade pessoala prioridade é da conversão do coração (cf. CIC 1888). Após o dramático saque de Roma pelos bárbaros, Santo Agostinho reconfortava seu rebanho, assegurando-lhe que nem tudo estava perdido: “As pessoas dizem que os tempos estão ruins e odiosos… Nós somos os tempos! Os tempos serão aquilo que nós fizermos deles, com nossa vida”. Madre Teresa de Calcutá, interrogada certa vez por um repórter sobre o que ela reformaria na Igreja, deu a resposta certeira: “Eu e você!” É cômodo queixar-se de que os políticos não fazem sua parte, de que as autoridades estatais descumprem seus deveres… E eu, o que posso fazer de forma bem concreta para melhorar um pouco a vida do meu próximo?

Nesta Quaresma, supliquemos a graça de um coração novo, que ame a Deus e que, porque ama a Deus, ama o próximo. “A caridade constitui o maior mandamento social” (cf. CIC 1889) – aquela caridade que é paciente e bondosa, não tem inveja nem arrogância, que não é orgulhosa nem escandalosa, não busca seus próprios interesses, que não se irrita e nem guarda rancor, não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade, aquela caridade, enfim, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta (cf. 1Cor 13,4-7).

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