No dia 9 de outubro deste ano, foi publicada a Exortação Apostólica Dilexi te (Eu te amei), do Papa Leão XIV, sobre o amor aos pobres. É significativo que o primeiro documento magisterial do novo Papa tenha esse tema. Um dos últimos documentos do falecido Papa Francisco tinha sido a Encíclica Dilexit nos (Ele nos amou), sobre o Sagrado Coração de Jesus. Os dois temas estão relacionados: O Amor de Deus para conosco, que se revelou pelo Coração de Jesus, e o amor ao próximo, como consequência do amor de Deus por nós, a começar pelos pobres e mais necessitados.
O próprio Papa Leão informa na sua Exortação Apostólica que esse documento já era um projeto sobre o qual o Papa Francisco vinha trabalhando; não o tendo levado a cabo, em vista da enfermidade e do falecimento, como sucessor, ele assumiu essa “herança” de Francisco e se dedicou à publicação da Exortação Apostólica (cf. Dilexi te, nº 3).
Leão recorda que a lógica de Deus não é a da prepotência e da opressão, para se impor, mas a do amor de um pai, como o pai do “filho pródigo” (cf. Lc 15,11-32), ou como o amor da mãe, que se faz ternura diante da fragilidade e incapacidade do filhinho, tomando-o no colo para o nutrir ao seio e para o consolar (cf. Is 66,13); ou ainda, como o amor do bom samaritano, que se aproxima do ferido e caído e se inclina sobre ele para o socorrer, não se importando se era amigo ou inimigo, do seu povo ou não, de sua religião ou sem religião (cf. Lc 10,25-37). É ainda o amor compadecido do Deus libertador do seu povo da escravidão do Egito, que diz: “Eu ouvi os clamores do meu povo, conheço os seus sofrimentos e sua opressão; eu irei libertá-lo (cf. Êx 3,7-8.10).
Leão XIV vai ao ponto da dura realidade atual: existem muitos pobres no mundo, a pobreza cresce em vez de diminuir, e ainda se está fazendo pouco para erradicar a pobreza. Diante disso, a acumulação desmedida de riquezas, acompanhada da falta de sensibilidade diante do sofrimento dos pobres, é um escândalo. “Assim, em um mundo em que os pobres são cada vez mais numerosos, vemos paradoxalmente crescerem algumas elites ricas, que vivem em uma bolha de condições demasiado confortáveis e luxuosas, quase em um mundo à parte em relação às pessoas comuns. Isto significa que persiste – por vezes bem disfarçada – uma cultura que descarta os outros sem sequer se aperceber, tolerando com indiferença que milhões de pessoas morram de fome ou sobrevivam em condições indignas do ser humano” (nº 11).
Não, a pobreza e a miséria não são a sorte cruel reservada para muitos pelo destino, nem, muito menos, é da vontade de Deus que os pobres sejam pobres e os famintos sejam famintos. Pensar assim seria acolher uma ideologia perigosa, que talvez serve para apaziguar (aparentemente) a consciência e cruzar os braços diante da imensa tarefa de proporcionar justiça social e econômica, nacional e internacional, proporcionando para a imensa população pobre do mundo condições dignas para viver. Também os cristãos podem ser contagiados por ideologias mundanas, observa o Papa, ou por orientações políticas e econômicas que levam a generalizações injustas e a conclusões errôneas. Achar que o exercício da caridade é tarefa só de alguns ou, pior ainda, ridicularizar quem pratica a caridade, “faz-me pensar que é preciso ler novamente o Evangelho, para não se correr o risco de o substituir pela mentalidade mundana. Se não quisermos sair da corrente viva da Igreja, que brota do Evangelho e fecunda cada momento histórico, não podemos esquecer os pobres” (nº 13).
Leão XIV percorre as páginas da Bíblia para mostrar que Deus ama os pobres com um amor preferencial. Que Jesus foi um Messias pobre e se importou o tempo todo com os pobres. E os apóstolos também fizeram assim e o recomendaram às comunidades no início da vida da Igreja. É inegável que o primado de Deus no ensinamento de Jesus é acompanhado de outro princípio fundamental, segundo o qual não se pode amar a Deus sem estender esse amor também aos pobres. O amor ao próximo é a prova tangível da autenticidade do amor a Deus, como atesta o Apóstolo João: ‘A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. […] Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele’ (1 Jo 4, 12.16) (nº 26).
E também percorre os quase dois mil anos de história da Igreja, mostrando que o amor aos pobres esteve sempre nas atenções da Igreja e foi recomendado pelos grandes pastores, teólogos e pregadores da fé. O amor aos pobres foi testemunhado pelos Santos, com testemunhos extraordinários que uniam o amor a Deus e a oração ao amor aos pobres. Muitos deles deixaram obras beneméritas de serviço aos pobres, que perduram ao longo dos séculos e continuam sendo inspiradoras e fecundas ainda hoje. A caridade e o amor aos pobres sempre foram tidos como sinais autenticadores da espiritualidade e da vida mística.
Observando que essa história continua ainda hoje, Leão exorta o mundo cristão e católico a se empenhar efetivamente no amor aos pobres e na superação das muitas formas de pobreza. A doutrina social da Igreja recebe uma iluminação valiosa com esta Exortação Apostólica, pois lhe confere um fundamento bíblico, cristológico e teológico amplo, respaldado na Tradição viva da Igreja e no testemunho das Santos. O amor aos pobres não pode esmorecer por preconceito, nem por instrumentalização ideológica desviante, pois está centrado no coração da fé cristã e da vida eclesial e, ao mesmo tempo, lhe confere autenticidade. Sem esquecer que, em vista dele, seremos julgados um dia por Deus (cf. Mt 25,31-46).