Armas e legítima defesa na Doutrina Social da Igreja

Um trocadilho provocativo, mas sintonizado com a Doutrina da Igreja, “pátria amada não pode ser pátria armada”, proferido pelo Arcebispo de Aparecida (SP), Dom Orlando Brandes, no último 12 de outubro, causou furor nas redes sociais e nos meios políticos.

A Doutrina Social da Igreja (DSI) tem uma postura muito precisa sobre a questão, frequentemente distorcida por leituras ideologizadas e politizadas.

Muitos têm usado, de forma descontextualizada, a citação de um documento do Pontifício Conselho Justiça e Paz, de 1994, Comércio internacional de armas. Uma reflexão ética (erroneamente atribuída a São João Paulo II):

“Em um mundo onde o mal e o pecado subsistem, existe o direito à legítima defesa pelo uso das armas. Este direito pode tornar-se um sério dever para aqueles que são responsáveis ​​pela vida dos outros, pelo bem comum da família ou da sociedade. Somente este direito pode justificar a posse ou transferência de armas. Não é um direito absoluto, mas vem acompanhado do dever de fazer todo o possível para minimizar e, mais ainda, eliminar as causas da violência”.

O contexto geral do documento, e sua interpretação em conjunto com os demais textos do magistério, é o de incentivar a regulamentação e a redução do acesso às armas de fogo em todos os países. A legítima defesa e a do inocente são as únicas alternativas, segundo a DSI, que justificam a posse de armas. Mesmo assim, não se trata de um “direito absoluto” e implica o dever de minimizar e eliminar as causas da violência.

A questão da relação entre armas e legítima defesa, no magistério da Igreja, foi desenvolvida principalmente na relação entre os países e a construção da paz – sendo estendida à análise das relações interpessoais. Quem quiser ler uma apresentação extensa do tema pode ver no próprio Catecismo da Igreja Católica (cf. 2258-2317) para contextualizar bem cada afirmação.

O problema real não é doutrinal, mas prático: todos temos direito à vida e à legítima defesa, mas como garantir esses direitos? A história do Ocidente indica como melhor alternativa desenvolver os serviços de segurança pública em vez de armar a população. 

O que dará mais segurança para nós, nossas famílias e nossos jovens: todos usarem armas e se predisporem a atirar em criminosos ou a Polícia ser mais eficiente e prender os meliantes?

A pouca eficiência da segurança pública no Brasil nos leva a imaginar uma espécie de faroeste, onde homens fortes e armados protegem a si e seus entes queridos. Mas, até nesse mítico mundo hollywoodiano, veremos que as armas não trazem segurança para os fracos, que permanecem constantemente intimidados por pistoleiros e assaltantes. Mesmo nesse universo, é a chegada da força da lei e não a força dos indivíduos que garante a segurança de todos e o bem comum.

Comparações internacionais não mostram que o aumento do número de armas entre a população aumente ou diminua o número de mortes violentas. Na verdade, a violência e sua letalidade dependem de muitos fatores, como a ação do crime organizado, a eficiência da Polícia, condições socioeconômicas e infraestrutura urbana.

A Igreja reconhece o direito ao uso de armas para legítima defesa, mas indica que se busquem alternativas não violentas, seguindo o exemplo de Cristo, nas palavras de São João Paulo II, num Discurso aos Juristas Católicos Italianos, de 1980. A aplicação dessa sabedoria depende do nosso compromisso moral com a realidade, sem nos prendermos a discursos ideológicos de qualquer lado.

Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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