Desde o ponto de vista do calendário litúrgico, todo ano civil começa com a Solenidade da Santa Mãe de Deus. Com a celebração da importância de Maria para o Mistério da Encarnação e para o crescimento da Igreja primitiva, a cada ano renovam-se igualmente os anseios pela paz. Por toda a face da terra trocam-se vozes, gestos e símbolos de paz. A estrela de Belém e a brisa matutina, como que anunciando a aurora de um amanhã recriado, tentam vencer os ventos do ódio e da guerra. Um sopro de convivialidade varre o planeta. Ainda neste clima natalício e de recomeço, tomamos emprestado, por uma parte, o método do então Papa João Paulo II, no início da carta encíclica Centesimus Annus (1991), e por outra, os textos propostos liturgicamente para o dia 1º de janeiro de 2025. Um e outros nos convidam a um tríplice olhar: ao passado, ao redor e ao futuro.
O olhar ao passado se caracteriza por uma atitude de profundo reconhecimento. Agradecemos a tudo aquilo que nos trouxe o ano que chega ao fim: suas luzes e sombras, suas relações e conquistas, como também seus sonhos, lutas e esperanças realizadas. Os dons e graças de Deus se fizeram presentes, mesmo que às vezes encobertos por circunstâncias aparentemente amargas. Apesar de tudo, a gratidão e o otimismo prevalecem sobre o fracasso e a derrota. Em particular, voltamos a celebrar o nascimento do Menino Jesus. Tão sublime mistério faz o apóstolo Paulo dizer na segunda leitura, extraída da carta aos Gálatas: “Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro. Tudo isso, por graça de Deus” (Gl, 4,7).
O olhar ao redor tem a ver com as palavras que o relato evangélico dedica à Mãe de Deus e da Igreja, nesta liturgia que abre o ano novo: “Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Os verbos “guardar e meditar” revelam uma atitude de fé, de humildade e de esperança diante da vida pessoal e coletiva. Atitude contemplativa, marcada pela sabedoria em ler os “sinais dos tempos”. Visão profética, a qual, guiada pela voz dos anjos e pela interpretação dos sonhos, em lugar de adivinhar o futuro, é capaz de desvendar nos acontecimentos presentes a mão do Criador tecendo a história salvífica a partir da história humana.
O olhar ao futuro, por fim, retoma as palavras da bênção que, na primeira leitura, Moisés recebe do próprio Deus para transmitir a Aarão e, através deste, a todo o Povo de Israel: “O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6, 24-26). Paz desde sempre necessária, hoje urgente e amanhã alicerce de uma nova sociedade. Paz como tem insistido a Doutrina Social da Igreja, e repetido à exaustão o Papa Francisco. A verdade é que, no universo em que “vivemos, nos movemos e somos” e no contexto mundial pontilhado por tantas guerras e tanta violência, a paz converteu-se no maior anseio do ser humano. Paz que é fruto da justiça e da solidariedade.