Certo homem tinha uma figueira

Os exercícios da Quaresma nos levam a refletir sobre os diversos aspectos da vida cristã que recebemos no Batismo e a fazer uma revisão de vida para ver como estamos. Assim, preparamo-nos para a celebração da Páscoa e para renovar as promessas do nosso Batismo na celebração pascal.

Os dons que recebemos no Batismo têm um valor imenso e não sempre nos damos conta disso. Fomos acolhidos por Deus Pai como filhos e filhas; recebemos a remissão dos pecados e a vida nova da graça de Deus; começamos a ter parte nos bens riquíssimos dos “mistérios da fé”, da Palavra de Deus, dos Sacramentos, das promessas de Deus, da esperança cristã, do patrimônio espiritual da Igreja, família de Deus. São graças e mais graças que recebemos, que nos enriquecem já nesta vida e nos preparam para receber ainda mais na eternidade.

Dizer que devemos viver agradecidos pela vida afora é verdade, mas não é tudo. Devemos também corresponder a tantas graças e dons de Deus. Esses bens não devem ficar parados em nós sem produzir frutos. A vida cristã recebida no Batismo nos coloca a caminho e supõe que façamos passos, sem ficar estagnados. Pode acontecer que não progredimos na vida cristã e nos encontramos como árvore seca, ou como a figueira do Evangelho, cheia de folhas (aparências), mas sem frutos. 

No Evangelho, Jesus deu a entender de muitas formas que Deus espera de nós o fruto da vida cristã, como forma de corresponder às graças recebidas. Na parábola do semeador, fica claro que o semeador espalha a boa semente e espera colher um dia (cf. Mt 13,3ss). Na parábola dos talentos, os servos aplicados e trabalhadores foram recompensados, enquanto o servo “mau e preguiçoso” foi castigado (cf. Mt 25,26). Na parábola sobre a figueira estéril, fica bem claro que o senhor do campo espera colher frutos da figueira; não os encontrando, ele manda cortar a figueira inútil (cf. Lc 13,6-9). Jesus diz aos apóstolos que o Pai do Céu é glorificado quando os discípulos, como ramos de uma videira, produzem frutos abundantes (cf. Jo 15,8). E diz que Ele mesmo os escolheu para que deem muito fruto (Jo 15,16).

Que frutos Deus espera de nós? No Livro dos Provérbios, lê-se que “o fruto do justo é a árvore de vida” (Pv 11,30). Entende-se que a prática da justiça rende o fruto da vida. É também o que Jesus ensina: a árvore se conhece pelos seus frutos; árvore boa dá frutos bons; árvore má dá frutos ruins (cf 7,16). O profeta Jeremias adverte o povo para as desgraças que se abaterão sobre ele: serão “fruto de suas tramas e de sua desobediência a Deus” (cf. Jr 6,19). João Batista exorta o povo a produzir bons frutos de arrependimento (cf. Mt 3,8). Jesus compara a sua paixão e morte ao grão de trigo, que precisa morrer para dar fruto abundante (cf. Jo 12,24). São Paulo, na Carta aos Romanos, ensina que o fruto do pecado é a vergonha e a morte; e o fruto da conversão à fé é a santificação e a vida (cf. Rm 6,21-23). E exorta a comunidade de Corinto a que produza mais abundantes “frutos de justiça” (cf. 2 Cor 9,10).

A vida cristã supõe a busca dos meios de crescimento e santificação, mediante a escuta e acolhida generosa da Palavra de Deus, dos Sacramentos, da oração e da caridade. Por outro lado, supõe o crescimento na correspondência para com a vontade de Deus e isso requer que busquemos conhecer a vontade de Deus por meio dos seus mandamentos e da ordem moral agradável a Deus. A vida cristã, entendida como seguimento de Jesus, envolve numa dinâmica que vai do ouvir ao praticar, do conhecer a Deus ao buscar sempre mais a sua comunhão e intimidade; e vai muito na lógica do amor a Deus, inseparável do amor aos irmãos; da proximidade e confiança em Deus ao sincero arrependimento de nossos pecados e à constante entrega à misericórdia de Deus.

Voltando à figueira do Evangelho: o dono do campo, que representa Deus, queria cortar a figueira inútil, pois ela há tempo não produzia nada. Mas o cuidador daquele campo sugeriu: “Deixa-a ainda por um ano. Vamos cavar em torno e colocar adubo; talvez ela produza fruto. Se não produzir, tu a cortarás”. Cavar em torno representa uma ação penitencial para a conversão. Jesus advertiu a todos: “Se não vos converterdes, perecereis todos…” Que “adubo” é esse que precisa ser colocado na vida da figueira, que somos nós? Certamente, o alimento da Palavra de Deus, da Eucaristia, da oração, da caridade e das obras de misericórdia. O processo de conversão requer esforço e, também, penitência, que valem a pena para alcançar o fruto da conversão e da vida.

Que bom é saber que Deus, o divino cultivador das figueiras, que somos nós, tem paciência infinita para conosco e sua ternura e misericórdia são eternas. Por isso, também nos concede oportunidades infindáveis para que possamos converter-nos e produzir os frutos de vida e salvação, com a ajuda de sua graça. Mas é certo que, um dia, deveremos prestar contas a Ele sobre a nossa vida e sobre os frutos produzidos.

Deixe um comentário