Clássicos do Cinema: as adaptações de Little Women

Louisa May Alcott foi uma escritora norte-americana que nasceu em 1832 e morreu em 1888. Seus pais, Abigail May e Amos Bronson Alcott, faziam parte do movimento filosófico denominado transcendentalismo, que surgiu na primeira metade do século XIX, nos Estados Unidos, sob influência do romantismo e idealismo alemães, do ceticismo de Hume, do transcendentalismo de Kant e de outras correntes de pensamento. A posição filosófica dos pais influiu muito na educação de Louisa, e, além disso, ela conviveu com vários dos intelectuais que compunham o movimento.

A sua infância, adolescência e juventude foram um tanto conturbadas. A relação da família com o pai não era fácil, e o fato de eles terem mudado de residência 22 vezes em 30 anos dá uma ideia da instabilidade de suas vidas. Além disso, por falta de recursos, Louisa começou a trabalhar cedo. Ela tinha uma personalidade forte e independente. Envolveu-se com a causa abolicionista e com a luta pelos direitos das mulheres. Morreu aos 55 anos. Não há certeza sobre a causa, embora ela já apresentasse problemas crônicos de saúde anos antes.

Louisa May Alcott tornou-se famosa principalmente pelo romance Little Women, escrito em 1868 e seguido depois por outros volumes. A história tornou-se um grande sucesso e foi adaptada ao cinema inúmeras vezes, sendo que as versões mais famosas são as de 1933, 1949, 1994 e 2019. Dessas, não assistimos apenas a de 1949, que seguiu o roteiro da versão de 1933. Entre a versão de 94 e a de 2019, a última nos pareceu melhor. Por isso, faremos breve comentário sobre as versões de 1933 e 2019.

O enredo

Cena do filme de 1994 (crédito: Divulgação)

O enredo, substancialmente o mesmo para todas as adaptações, trata da passagem para a vida adulta de quatro irmãs que vivem em Massachusetts, nos Estados Unidos, com sua mãe. O pai, pastor protestante, está ausente servindo como capelão na Guerra de Secessão Americana, e as meninas esperam impacientemente por seu retorno.

Embora muito unidas, cada uma das irmãs tem sua própria personalidade e anseios e, com o passar dos anos, trilha o próprio caminho. A história é bastante envolvente e aborda temas importantes: o valor e beleza da família, a atenção personalizada que uma mãe deve dar a cada filho, a unicidade de cada pessoa, a centralidade do matrimônio na vida humana, entre outros.

Jo March, uma das 4 irmãs, é a personagem principal, apesar de todas receberem boa dose de atenção. Muito independente, criativa e, poderíamos dizer, “moleca”, ela não se interessa por algumas das características que a sociedade da época exigia de uma mulher. Parte disso, como bem mostram os filmes, não é fruto de seu caráter, mas de sua imaturidade. Jo, que sonha em ser escritora, tem um pouco de Peter Pan: não quer crescer e não quer casar, pois deseja permanecer unida às suas irmãs, divertindo-se com elas e escrevendo suas histórias.

Talvez com essa breve descrição os filmes não pareçam interessantes. A verdade, porém, é que com uma trama bastante ordinária conseguiu-se uma excelente história, que prende a atenção e dá muito material para reflexão. Não lemos o livro, mas os filmes podem ser ditos clássicos, porque, na essência, transmitem coisas que não passam (imaginamos que, com maior razão, se possa dizer isso do livro).

Sobre as versões

O filme de 1933, que estrela Katherine Hepburn no papel de Jo March, está muito bom. Por ocasião dos 100 anos do cinema, a Santa Sé publicou, em 1995, uma lista de filmes edificantes e bem produzidos, e nela constava esse filme, traduzido no Brasil por “As Quatro Irmãs”. Há várias cenas que merecem especial atenção. Destaca-se, mais para o final, um breve diálogo entre Jo e Laurie que não consta em outros filmes. Laurie, que havia pedido Jo em casamento sem sucesso, pergunta se os dois podem voltar a ser amigos como antes, quando eram mais jovens, ao que Jo responde que não. Poderia haver amizade, mas um outro tipo de amizade, porque agora eles já eram adultos. Outra breve mas interessante cena é aquela em que a mãe das meninas se despede delas, porque está de partida para ajudar o pai. Como toda boa mãe, ela conhece cada uma de suas filhas, e manifesta isso nas breves indicações que dá a cada uma (a Meg pede que cuide de todas, a Jo pede paciência com suas irmãs, a Beth pede que ajude todas e a Amy pede que as obedeça).

O filme de 2019 é muito superior em termos de produção. Tecnicamente, o cinema evoluiu muito ao longo desses anos. Além disso, a diretora mostrou-se bastante talentosa e fez um bom trabalho. Muitos críticos disseram que a nova versão incorporou à história original um tom mais atual, com uma dose maior de feminismo. A própria diretora manifestou seu interesse nesse sentido, embora também tenha dito que procurou ser fiel ao livro e à pessoa da autora.

Esses comentários, bem como algumas entrevistas dadas por ela, fariam muitas pessoas esperar por um filme ruim e carregado ideologicamente. Mas não ficou assim, talvez pelo compromisso da diretora de ater-se à história original. As mensagens deixadas são bastante positivas e várias cenas dão margem a ótimas reflexões com os jovens. As críticas que aparecem aqui e ali à situação da mulher na época, na boca de algumas personagens, não só são razoáveis como também tornam o filme atraente para públicos diversos, criando assim um bom ponto de contato entre pessoas e gerações.

As mensagens que transmite

Apesar do pouco espaço, tentaremos deixar apenas duas ideias (e revelaremos algo sobre o fim no caminho!), que vão além do filme, mas que nos parecem úteis. Jo March, a personagem principal, representa um tipo forte e independente de mulher. Ela é bem feminina, mas não se enquadra no padrão que muitos na época consideravam ideal: não valoriza as roupas da moda, gosta de correr e brincar, fala e grita com espontaneidade e está mais interessada em escrever suas histórias e encená-las do que em arranjar um marido. À medida que cresce, isso em parte muda, e também ela sente a necessidade de encontrar um homem que possa amar e com quem possa construir uma vida.

A mensagem final, portanto, valoriza o casamento. Mas o desejo original da autora, Louisa May Alcott, era de deixá-la solteira (não o fez por exigência do editor), e o filme faz um aceno discreto a esse fato. Isso nos permite divagar sobre um final alternativo: na vida real, em que Deus existe e o homem, saiba ou não saiba, O deseja, poderia ser bom que alguém como Jo não se casasse. Seu espírito livre e vivaz poderia muito bem ser sintoma de um grande dom de Deus: um coração tão grande que fosse incapaz de saciar-se com um casamento, que desejasse doar-se com maior radicalidade a Deus. Por outro lado, encontrando Deus e as aventuras infinitas, se bem discretas, que a caridade encerra, também no matrimônio uma mulher como Jo poderia encontrar espaço para consumir suas energias.

Isso nos conduz ao segundo ponto, isto é, para o cristão, pouco importa o que cada um escolhe fazer, contanto que o faça por amor a Deus. Já diria Bento XVI que existem tantos caminhos quanto existem pessoas. Quer dizer, por um lado o caminho é um só, o Amor, Jesus Cristo; por outro, são muitos, pois cada um encontra Jesus Cristo na própria vida e ama nas circunstâncias concretas nas quais vive. Que a mulher case ou não, que Jo March se dedique a escrever ou a ter uma família ou aos dois, não é a questão fundamental. O fundamental é que a mulher, assim como o homem, viva em função de Deus e do próximo. Esse é o aparente absurdo que Cristo ensinou: renunciando a si mesmo para entregar-se a Deus e ao irmão, descobre-se a própria felicidade.

O que nos permite dizer algo sobre o feminismo e a luta pelos direitos da mulher (por feminismo, não nos referimos aos muitos grupos aparelhados que há por aí, mas a certo modo de pensar hoje muito difuso). É evidente que a mulher deve ter sua dignidade reconhecida, que ela deve ter espaço para realizar-se plenamente. O problema dessa questão, do modo como vem sendo colocada, está na raiz anticristã que ela costuma conter – raiz esta que, de um jeito ou de outro, se encontra em todas as ideologias pós-iluministas –, a saber: que a plena realização do homem e da mulher se identifique com uma plena autonomia. Isto é, quanto mais autônoma, quanto mais independente de vínculos e mais livre para satisfazer os próprios interesses, mais realizada é a pessoa. Ocorre que essa crença é simplesmente falsa. A autonomia é algo bom, mas não mais do que um instrumento em vista do verdadeiro fim ao qual o homem tende: amar e conhecer a verdade, duas coisas que são na realidade uma só, pois Deus, que é a Verdade e o Amor, nos ama infinitamente e nos criou para participarmos de seu amor.

O filme de 2019 não faz essa reflexão (nenhum deles faz), mas dá margem para ela e pode ser por ela enriquecido. Quando fala de amor, fica em um amor ingênuo e com um fundo de falsidade, de vazio (o amor do mundo). As personagens dizem umas às outras: “você o ama?” e “está na cara que você o ama!” confundindo um pouco amor com paixão. Em síntese, para aproveitar o filme concluindo com algo que vai além dele e encontra-se com Cristo, sugerimos pensar sobre as seguintes ideias:

1) Não se casa tanto porque se ama, mas porque se quer amar (isso vale tanto para o casamento quanto para qualquer outra vocação).

2) A plena realização e felicidade da mulher e do homem, seja no Matrimônio ou fora dele, somente acontece quando os próprios dons são postos a serviço de Deus, isto é, quando se vive para encontrá-lo e amá-lo.

Enfim, essas são divagações sobre coisas das quais sentimos falta no filme de 2019. Mas o filme é bom, e vale a pena assisti-lo. Entre os adolescentes, porém, pensamos que o filme fará mais sucesso entre meninas, pois aborda temas que não costumam interessar os meninos (já para jovens um pouco maiores, não).

Neste link assisti de graça o filme de 1933. Está com boa qualidade (na medida do possível, dada a época) e legendas em português:

https://vimeo.com/335021676

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