Lembro com alguma clareza quando aprendi na escola sobre a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Lembro-me de que fiquei maravilhado, afinal me ensinaram como uma grande conquista da humanidade, como se o homem tivesse obtido a sua maioridade e que serviria como base para um mundo justo para todos. Finalmente o homem seria feliz.
O documento é bonito e importante, não quero desqualificá-lo, apenas colocar sobre ele uma luz sobrenatural. Afinal, aqueles que o construíram como uma base inquestionável para o desenvolvimento da sociedade são os mesmos que hoje propõem questionamentos sobre a adesão do mundo ao Decálogo.
Sobre o documento, vê-se ali o homem racionalista e autossuficiente em sua essência, que acha que pode resolver os problemas do mundo, criando suas próprias leis, sem qualquer citação a Deus. Contudo, quero focar outro ponto, o do direito em si.
Passados mais de 75 anos, o que mais ouvimos das gerações atuais são seus gritos por “direitos”. Os “direitos da mulher”, os “direitos dos índios”, os “direitos das minorias”. Com tantos direitos exigidos, a conta não fecha. Não há meios de atender a todos, mas por quê?
O que os ativistas dos “direitos individuais” deixaram passar é que, nas relações humanas, quando algum direito é devido, algum dever é imposto. Se eu decidir que tenho o direito de acordar de madrugada e ter um copo de água gelada na minha cabeceira, alguém terá o dever de vigiar meu sono e correr à geladeira quando eu acordar.
Mas de quem é o dever de atender a tantos direitos? Para estes mesmos, é esse tal de “Estado”, essa entidade sem rosto que representa a todos e, ao mesmo tempo, ninguém. Assim, enquanto o direito tem nome e endereço, o dever fica imputado a um ser abstrato, não tem como dar certo.
A luta por direitos chegou a tal ponto que se ainda vivêssemos no Paraíso, Adão defenderia o seu “direito de provar o fruto proibido” e, depois de fazê-lo, seu “direito de permanecer no Paraíso”. E diria para Deus: “Os incomodados que se mudem”.
Talvez tivesse sido melhor que a declaração de 1948 tivesse sido a “Declaração universal dos deveres humanos”. Ao invés de dizer “Ninguém pode ser submetido a tortura”, diria: “Ninguém deve torturar outra pessoa”. Ao invés de “todas as pessoas têm direito à igualdade de acesso ao serviço público”, diria: “O serviço público deve atender a todos com igualdade”.
Nessa lógica, não seriam os bebês que teriam direito à vida, seriam suas mães que teriam o dever de protegê-los, mesmo que não quisessem permanecer mães depois do parto.
Parece uma questão semântica, mas não é. É de hierarquia: o que vem antes? O direito ou o dever? O trabalhador não é pago antes de trabalhar. Não descansamos antes de nos esgotarmos.
No campo da fé, alguns defendem o “direito do acesso aos sacramentos”, o “direito de comungar”, como se na relação com Deus não houvesse também nossa parcela de deveres. Para sermos perdoados, temos o dever de confessar nossos pecados. Para comungar, o dever de estar em estado de graça.
O homem vive hoje como se tivesse direito a tudo. Alguns abusados defenderão que temos “direito ao céu”, mas não temos. Pelo contrário, é o pecado original que nos garante na largada da vida uma cadeira cativa no inferno.
É a nossa luta contra a concupiscência, o exercício das virtudes, a vida sacramental que podem nos permitir solicitar um “ingresso” para o Paraíso. Não porque tenhamos direitos, mas porque Deus assim quer nos dar.
Assim, se quisermos ir para o céu, temos o dever de lutar.
Quando falamos dos direitos objetivos, do trabalho ou da tortura, está claro, mas de quem exigiremos o dever de nos prover vida ou liberdade? De Deus? E é aí que está a pergunta central: quais são os direitos que podemos demandar de Deus?
Para nós que lutamos no caminho da santidade, a resposta é clara: diante de Deus, não temos direito a nada. Tudo é Graça. Não temos “direito à vida”, “direito ao ar que respiramos”. Em tudo, somos atendidos pela Graça. É Deus quem sustenta, por sua Graça, todo o universo.
Até mesmo o livre arbítrio que nos parece um “direito de escolha” é também obra da Graça, um presente para nos ensinar a amar, tendo em mãos a liberdade de não o fazer.
É urgente meditarmos e ensinar isso a nossos filhos, sobre a nossa plena dependência em Deus. Tudo em nossas vidas – realizações, conquistas e vitórias – só é possível por causa da Graça Divina.
Vivemos no “tempo da graça”, porque se Deus abandonasse seu pensamento em nós, restar-nos-ia apenas um destino: voltar ao pó.