Olhamos para nós mesmos e matamos o bom senso

Acho que eu estou ficando velho! Como o meu pai quando vivo, estou achando que o mundo era melhor antes do que é agora.

Não estou falando da música, das ar­tes ou do cinema (estes também), mas de uma coisa que não se encontra mais por aí: “o bom senso”.

Ah, que saudades desse velho amigo! Tão velho que frequentou as rodas de conversa desde muito antes de Cristo.

Foi amigo de Aristóteles (384-322 a.C.) que o chamava de “sabedoria prá­tica”, e de Cícero (106-43 a.C.) que o definia como “a capacidade natural de perceber o que é verdadeiro”.

Bem entendido, ou mal explicado, passou pelo crivo de filósofos até o sécu­lo XX, mas não resistiu ao homem mo­dernista e veio a falecer no século XXI de forma discreta, quase melancólica.

Morreu de inanição, pela carência de alguns elementos que eram indispensá­veis para a sua existência, como a pru­dência, a racionalidade e a empatia.

A prudência que nos leva a refletir antes de julgar, agir ou falar. A não agir por impulso.

A racionalidade que, pela via da ra­zão, nos faz analisar as coisas de forma objetiva, para as entender sem a miopia provocada pelas paixões ou emoções.

E, por último, a empatia, a nossa habi­lidade em se colocar no lugar dos outros.

Esse trio para o “bom senso” eram como o alimento, a água e o oxigênio. É possível se viver um pouco sem eles, mas não se vai muito longe, mesmo que falte apenas um deles.

Pela falta das três, o “bom senso” se foi. Mas o que causou a inanição que o matou? Parece ter sido o mesmo que nos expulsou do paraíso: o orgulho.

As redes sociais, mesmo nos trazendo enormes benefícios, criaram efeitos cola­terais difíceis de serem corrigidos. Todos ganharam uma praça pública para fazer ouvir suas vozes, contudo, em vez de um canteiro para a construção de ideias, se tornou um campo de batalha da luta dos egos.

Todos sabem tudo a respeito de tudo. As respostas são dadas de forma quase anônima, por pessoas escondidas atrás de um teclado. De lá, meninos de 20 anos acham que sabem tudo e querem ensinar médicos experientes, “coachs” adolescentes dão aula de “como ter su­cesso na vida”.

Ninguém quer perder seu tempo analisando as coisas. Preferimos dar respostas rápidas, enviando nossa visão limitada do mundo por aplicativos de mensagem.

Nessa onda, todos falam, mas nin­guém escuta.

Vejo isso nos infinitos grupos de mensagens de discussões que já me colo­caram (a maioria nem pedi). Na maioria das vezes, todos falam, quase ninguém comenta o que o outro diz, e quando co­menta é para exibir sua sabedoria e co­nhecimento tão superiores.

O conhecimento do outro incomoda, sua discordância irrita, o contraditório é um inimigo a ser abatido. Quem se atre­ve a querer saber mais do que eu?

As ideias que se defende, muitas ve­zes, não têm pé nem cabeça. Parece que pela falta do “bom senso”, a “lógica” tam­bém pereceu. Como previu Chesterton, chegou o tempo de “provarmos que a grama é verde”.

Meditando sobre estas coisas, sem­pre me volta à mente aquela passagem que já citei por aqui: “Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escu­tar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas” (II Timóteo 4,3-4).

Ficamos cegos, e “levados por nos­sas próprias paixões”, tornamo-nos escravos da tecnologia. Nas redes sociais, alimentamos o nosso amor­-próprio, inflamos o nosso ego e sa­tisfazemos o nosso “prurido de escutar novidades”. Foi ali que assassinamos o “bom senso”.

Mas há esperanças. Há quem diga que ele ainda vive e que está escondido entre os cristãos. Eles mesmos não que­rem que ninguém saiba de sua existên­cia, calados diante do mundo, fingem que ele morreu ali também.

Porque se “bom senso” é “o farol que deve guiar a razão.” (Thomas Paine), ou é “A capacidade natural de perceber o que é verdadeiro, justo e adequado.” (Cícero), seria justamente entre os cristãos que ele estaria bem protegido. É aqui o local onde deve sobrar “prudência”, “racionali­dade” e “empatia”.

Cristo é o “farol que ilumina nossa razão”, e é o Espírito Santo que nos faz “perceber o que é verdadeiro, justo e ade­quado”. Assim, é a partir de nós que o ‘bom senso” precisa ressurgir para guiar o mundo para a verdade.

Não podemos mais nos calar e dei­xar de ser o que Deus nos pede: “sal da terra e luz do mundo”. Já sabemos que seremos odiados por defender a verda­de, Jesus já nos avisou, mas não somos do mundo: “Dei-lhes a tua palavra, mas o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo” (Jo 17,4).

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