Quem como Deus? 

Se olharmos para a sociedade atual com um olhar católico, as coisas parecem particularmente sem rumo. 

Na imprensa e rodas de conversa seculares, as discussões versam sobre a desinformação, liberdade de expressão ou “fake news”. O que chama mais atenção é que, por mais que se discuta, não há meios de se conseguir um consenso. Mas, por quê?

Para ser bem honesto, parece bem claro que o consenso nem seja possível. Afinal, não há disposição para isso, ninguém aceita considerar a opinião do outro, ninguém quer ceder posições. 

Quando fiz pós-graduação em Marketing, um dos cursos era sobre negociação. O sucesso de uma negociação é o desfecho em um acordo. Até os advogados costumam dizer que um mau acordo é melhor do que uma disputa. 

Na negociação, uma das regras centrais é: “evite brigar por posições”. Quando uma negociação entra na armadilha da “briga por posições” ela trava. Perde-se o objetivo do acordo e se entra em uma discussão de “quem tem razão”. E o bom negociador não quer ter razão, ele quer concluir o acordo.    

Mas o que isso tem relação com o mundo em que vivemos?

Muitos chamam o tempo em que vivemos de “pós-verdade”. Sempre me incomodei, pois, olhando apenas para a etimologia do termo, o tempo da verdade teria acabado e estaríamos vivendo no tempo de uma outra coisa. E isso parece nos dar, de alguma forma, alguma pista a respeito de tudo isso. Mas como?

Note que nossas rodas de discussões, que citamos no início do artigo, não tratam sobre aquela verdade “ultrapassada”, mas de algo que temos enorme dificuldade em identificar porque não estamos prestando muita atenção. Estamos focados em discussões acaloradas sobre a mentira. Quem desinformou? O que é “fake news”? Quem é o mentiroso?

Associado a isso, na era da informação, todos se tornaram especialistas em tudo. Comentaristas na internet se acham mais cientistas que médicos, influenciadores mais teólogos que bispos e ativistas de vinte anos mais experientes que juristas consagrados.

O demônio fez bem seu trabalho, e na era da mentira nos inflou individualmente com sua arrogância. Nos aprisionou em uma armadilha infinita de “briga por posições”, que nos mantém em discussões sem fim, sobre temas do qual ele é o pai. 

Nessa armadilha, não há saída. A mentira nos confunde e a arrogância nos aprisiona. Não há espaços para consensos.

Mas, se não há saída, então é o fim?

Humanamente falando, infelizmente sim. Não há argumento fatal capaz de abater uma arrogância bem instalada. 

A solução virá de uma ação divina, que vai dar o remédio para tudo isso. E faz sentido, porque a chave para nos libertar da armadilha da mentira só pode ser a Verdade, e essa com “V” maiúsculo.

Jesus é essa Verdade, Ele mesmo disse isso. Nossa imagem e semelhança com Deus nos deu uma habilidade de reconhecer a verdade, mas não a mentira. Por isso, ficamos tão confusos quando discutimos sobre isso.

A Verdade é a única capaz de ferir de morte a arrogância e nos permitir ver as coisas, e não apenas nossas posições entrincheiradas. Vemos isso na narrativa dos Atos dos Apóstolos na linda história de Paulo.

Entrincheirado em sua própria visão das coisas de Deus, montado em sua arrogância, que é possível notar em seus escritos, caiu por terra quando se encontrou com a Verdade: Jesus.

O mesmo Jesus que ficou em silêncio diante de Pilatos quando lhe perguntou “o que é a verdade?”. Seu silêncio é o maior testemunho da Verdade que é Jesus, afinal, a verdade não precisa de justificativas, não precisa argumentos. Ela se impõe por si. Não há contradições, não carece de muitas palavras. 

A Verdade estava ali diante dele, sem que notasse, o silêncio de Jesus foi uma sonora resposta.

O mesmo sucedeu com Paulo. Quando a Verdade ofuscou sua arrogância, se viu cego porque nunca enxergou de fato. Baseara sua vida em suas próprias convicções, mas nunca na verdade. Estando cego, não teve alternativa além de se deixar guiar, talvez pela primeira vez.

A conversa de Jesus com Paulo também é esperança para os dias de hoje: “Eu sou Jesus, aquele a quem persegues”.

Note que quem vive imerso na mentira e no pecado é, invariavelmente, um feroz algoz da verdade e de todos aqueles que tentam, não sem esforço, viver na verdade movidos pela Verdade.

Para todos esses, Jesus também dirá um dia: “Eu sou Jesus, a quem persegues!”. Para os ateus: “Eu sou Jesus, a quem negas!”. Aos que causam escândalos: “Eu sou Jesus, a quem desprezas!”. 

A nós, resta seguirmos sob o manto da Verdade que é Jesus, combatendo a arrogância do mundo com a humildade que aprendemos de São Miguel, afinal, “Quem como Deus?”.

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