Deus está neste lugar e eu não o sabia

Em assuntos de fé, as sementes lançadas atingem os corações que se deixam conduzir. Os pequeninos entendem, os humildes aceitam a salvação trazida por Jesus. Os corações de pedra pensam somente em cumprir preceitos e basta: não acreditam na misericórdia. Este é o drama da resistência à salvação. Cada um de nós carrega esse drama. Perguntemo-noss: como eu quero ser salvo? Por uma espiritualidade que me faz bem e não traz riscos? Do meu jeito? Ou no caminho, com Jesus, que nos surpreende, abre as portas para o mistério? Se Ele me ensina a salvação, então, por que ir a outros lugares para encontrar um guru que me salve? Por que querer comprar a salvação que Jesus me dá de graça, que já conquistou para mim no alto da Cruz?

Os livros podem esclarecer a fé, mas também podem confundir. Cursos podem oferecer pistas e luzes, e também sombras que ofuscam a manifestação de um Deus que se revela aos simples e pequeninos. As opiniões podem favorecer o diálogo da fé, mas opiniões são sempre opiniões e não dogmas. Søren Kierkegaard, teólogo dinamarquês, disse: “O homem não se prepara para o Cristianismo pela leitura de livros, mas pelo aprofundamento na existência. Aprofundando o sentido da existência, encontramos a luz da Verdade que nos ilumina, cura e salva. Cada um fique atento ao melhor de si, escute sua voz mais íntima e sagrada, a voz que ninguém pode escutar e, assim, irá perceber como que um eco “sugerindo” a busca do Reino de Deus. A espiritualidade de Santo Agostinho nos ajuda: Cor unum et anima una in Deum – Um só coração e uma só alma voltados para Deus.

Maria é nossa aliada nessa busca. Quando emitimos opinião positiva sobre alguém, dizemos: “Fulano é uma pessoa centrada!” A pessoa que não se deixa alienar é uma pessoa centrada, que tem um eixo de segurança que lhe garante ser ela mesma, harmonizada com o ambiente, com suas relações. Na Cruz, o que chama a atenção de Jesus é ver sua mãe de pé. Maria está lá, esmagada pela dor, mas de pé; ela não desfalece. Está pronta a carregar o peso do sofrimento que lhe foi reservado. Ela compreende o sofrimento do Filho. Contemplamos, então, dois martírios: o de Jesus; e um martírio diferente, o de Maria… sendo martirizada na alma.

Maria diante da Cruz é um mistério que nos escapa. Não temos a total compreensão. Por isso é mistério! Ali, ela entendeu as palavras do velho Simeão: “Eis que uma espada transpassará tua alma” (Lc 2,35). Em uma das vezes em que presidi a Santa Missa na Basílica de Sant’Ana, depois da procissão da padroeira, subi em um palco – montado no pátio – para abençoar o povo. No chão, bem em frente, uma menina de uns 5 anos de idade, me olhava, sorridente. Pensei que ela ansiava pela bênção que eu daria, quando ela me olhou e saiu-se com essa: “Ô, tio, desce logo daí que eu quero te dar uma flor!” Sim, ela havia surrupiado para mim uma flor no andor da padroeira. Mistério!

Entreguemos a Jesus nossos desafios, fracassos, incertezas; e nossa cruz não mais será motivo de queda, mas será nossa força. Não será prisão, mas liberdade. Não será fracasso, mas vitória. Não será morte, mas ressurreição. Busquemos a Deus não somente quando nossa casa estiver caindo. Busquemos a Deus para que ela não caia. Tenhamos vigilância. Estejamos atentos aos próprios anseios; aos clamores dos outros, dos que sofrem; escutemos a Palavra que ressoa na criação; observemos o que se passa por dentro dos acontecimentos ao nosso redor; “ouçamos” a Sagrada Escritura e, principalmente, busquemos encontrar Jesus Cristo.

A expressão de Jacó – Deus está neste lugar e eu não o sabia (cf. Gn 28,16) – é também nossa, quando não superamos a dispersão da alma causada pelas “coisas do mundo”. Firmemos nossa fé, descobrindo as “pegadas de Deus” neste momento da história. Deus está neste lugar e neste tempo e eu não sabia! São Pio de Pietrelcina nos convida: “Reaviva a cada momento a tua confiança em Deus e muito mais na hora das provações”.

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