A transformação e o reúso de materiais perante a cultura do descarte

Com início previsto para a sexta-feira, 26, os Jogos de Paris 2024 se propõem a ser a edição olímpica e paralímpica “mais verde da história”, em razão das muitas iniciativas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa durante sua realização ou mitigar o impacto da geração desses poluentes.

O Comitê Organizador prevê, por exemplo, que a quantidade de dióxido de carbono emitida em Paris 2024 não chegue nem à metade das 3,4 milhões de toneladas geradas em Londres 2012. As ações efetivas para tal vão desde os pódios feitos com plástico reciclado, passam pelas medalhas que trazem em sua composição ferro reutilizado da Torre Eiffel, envolvem o maior uso de placas fotovoltaicas em vez de geradores a diesel, e chegam à Vila Olímpica, na qual não há ar-condicionado instalado e a refrigeração dos ambientes será assegurada pela maior circulação de ar, graças à disposição dos blocos de prédios, e por um sistema que bombeia para o interior do complexo a água do rio Sena, cuja completa despoluição foi concluída e também será um dos legados desta olimpíada.

A sustentabilidade dos Jogos de Paris 2024 mostra que não é utopia combater a cultura do descarte, aquela que “afeta tanto os seres humanos excluídos quanto as coisas que se convertem rapidamente em lixo (…) Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando-os e reciclando-os”, escreveu, em 2015, o Papa Francisco na encíclica Laudato si’ (LS 22).

Também no cotidiano das cidades brasileiras, há muitos “heróis da sustentabilidade”, para mantermos a analogia com os Jogos Olímpicos: pessoas, organizações sociais e empresas que buscam viabilizar maneiras para a reutilização e reciclagem de materiais que antes tinham como destino primeiro o lixo. A construção de casas com blocos a base de polipropileno, o desenvolvimento de asfaltos com compostos de plástico e a criação de lâmpadas solares feitas com garrafas PET são algumas destas iniciativas reportadas no Caderno Laudato si’- Por uma Ecologia Integral que o Jornal O SÃO PAULO publica nesta edição.

Ações sustentáveis que façam frente à crescente cultura do descarte são uma urgência no Brasil, uma vez que cada brasileiro tem produzido diariamente, em média, 1,04kg de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), incluindo materiais secos que poderiam ser reciclados ou reutilizados como papéis, plásticos, vidros, borrachas, couros e metais, conforme dados do relatório Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023.

Instituída pela lei 12.305/2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece que na ordem de prioridade para a gestão e gerenciamento destes resíduos, a não geração, a redução, a reutilização e a reciclagem devem preceder – ou seja, ser pensadas antes – as políticas públicas para o tratamento dos resíduos sólidos e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

Lentamente, estas e outras disposições estão saindo do papel, especialmente após a entrada em vigor, em abril de 2022, do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), que indica os caminhos para se alcançar os objetivos da PNRS, entre os quais a consolidação da economia circular, que prioriza a redução, a reutilização e a reintrodução dos materiais ao longo da cadeia produtiva de forma eficiente, reduzindo, assim, a pressão sobre os recursos naturais, as emissões de gases de efeito estufa, o desperdício, a geração de rejeitos e a poluição.

Em casa, nas empresas ou nos ambientes coletivos como escolas, clubes e igrejas, um apontamento do Papa Francisco deveria sempre gerar inquietação nas pessoas de boa vontade: “A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais em um imenso depósito de lixo” (LS 21). Diante disso, o que nós, homens e mulheres que habitam a casa comum, podemos fazer?

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