Em dezembro último, ao chegar ao fim o difícil “ano da pandemia”, o Papa Francisco estabeleceu para o novo ano duas intenções especiais: 2021 será o “Ano de São José” (com a carta apostólica Patris corde) e o “Ano da Família” (com o quinquênio desde a publicação da exortação apostólica Amoris laetitia). Como se articulam, na visão do Santo Padre, estes dois focos de atenção propostos à Igreja universal?
A resposta, a nosso sentir, passa por uma nota bastante acentuada na Amoris laetitia: o Evangelho da família deve ser enfocado a partir de uma “pastoral positiva”, que não se limite à “simples insistência em questões doutrinais, bioéticas e morais”, mas que consiga “apresentar as razões e os motivos para se optar pelo matrimônio e a família” como “caminhos de felicidade” (AL, 35-38).
Com essa pastoral positiva – é bom que fique claro –, o Santo Padre não pretende relativizar o ensinamento da Igreja sobre matrimônio e família (grandemente assentado, aliás, na própria filosofia antropológica). Pelo contrário: o Papa é enfático ao afirmar que “só a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função social plena”, uma vez que “nenhuma união precária ou fechada à transmissão da vida garante o futuro da sociedade”. A família, entendida como “sociedade natural fundada no matrimônio”, é necessária à perpetuação da comunidade humana, já que não só transmite a vida a novas pessoas, como também lhes propicia um ambiente estável o suficiente para sua existência. Além do mais, a estabilidade da instituição familiar fomenta “o amadurecimento das pessoas, o cultivo dos valores comunitários e o desenvolvimento ético das cidades e aldeias” –, o que pode ser observado, por exemplo, na maior generosidade e abnegação que tende a estar presente entre os filhos de famílias numerosas (cf. AL, 52).
Preservado, portanto, o ensinamento da Igreja, a preocupação do Santo Padre é insistir em “apresentar o matrimônio mais como um caminho dinâmico de crescimento e realização, do que como um fardo a carregar a vida inteira” (AL, 37): precisamos fazer ver a nossos irmãos e irmãs “que o Evangelho da família é resposta às expectativas mais profundas da pessoa humana: a sua dignidade e plena realização na reciprocidade, na comunhão e na fecundidade” (AL, 201).
Este contexto pode dar nova luz à nossa compreensão de São José como pai e guardião da Sagrada Família. Nós o invocamos como castíssimo – e, na recente carta Patris corde, o Papa nos recorda que “não se trata de uma indicação meramente afetiva, mas é a síntese de uma atitude que exprime o contrário da posse”. Casto é aquele que ama na liberdade, sem pretender usar a posse do outro para preencher um vazio em si próprio. Um “amor” que não seja assim casto nem sequer é digno de seu nome: “Acaba sempre por se tornar perigoso: prende, sufoca, torna infeliz” (PC, 7).
São José, ao contrário, é profundamente feliz – justamente porque casto; e sua felicidade “não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem nunca se nota frustração, mas apenas confiança” (PC, 7).
Roguemos, então, ao castíssimo São José para que nos ensine, em nossa vida familiar, a fazer o dom de nós mesmos, e, assim, alcançar a realização de nossas mais altas aspirações. Possam nossas famílias, nos desafios que nos esperam ao final desta pandemia, ser ao mundo testemunho de profunda e verdadeira felicidade. São José, rogai por nossas famílias!