Cristo Rei

No domingo, 24 de novembro, entraremos na última semana do ano litúrgico, e a sabedoria da Igreja aproveita o fim de mais um ciclo para nos propor a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Trata-se de uma devoção muito recente, na história da Igreja, surgida no início do século XX, como resposta à descristianização do Ocidente – e por isso mesmo, na medida em que este processo somente se acelerou desde então, é uma devoção especialmente adequada para o mundo moderno.

De fato, em sua encíclica Ubi Arcano, de 1922, o Papa Pio XI assim descrevia os desequilíbrios que ameaçavam o organismo social: “A vida pública, em geral, envolvida pela densa neblina dos ódios e ressentimentos mútuos”; na arena internacional, “a sempre presente ameaça de novas guerras, capazes de ser mais terríveis e destrutivas que todas as precedentes” (n.11); no interior dos países, a “guerra entre as classes, que, como um câncer, carcome as forças vitais do tecido social”, as “rixas partidárias (…) e o desejo do poder e da proteção de interesses particulares” (n.12); nas famílias, “a santidade do laço matrimonial esquecida”, com “um grande aumento de liberdade em matérias morais” e “filhos alienados de seus pais, e irmãos lutando com irmãos”; na vida dos próprios indivíduos, uma “inquietação mórbida” e um “espírito geral de insubordinação, que se recusa a estar à altura de suas responsabilidades”; e na juventude, a “destruição da pureza (…) com a crescente imodéstia no vestir e no conversar, e com a participação em danças infames” (n.13). Em uma palavra: “A civilização cristã foi irreparavelmente ferida, a tal ponto que a sociedade humana, longe de experimentar o Progresso de que se costumam gloriar os homens, parece regredir à ferocidade dos bárbaros” (n.15).

Trata-se de um diagnóstico extremamente lúcido, se não mesmo profético, das tendências sociais do último século no Ocidente. E qual a causa para essas mudanças? Continua Pio XI: “Porque os homens se esqueceram de Deus e de Jesus Cristo, eles afundaram nas profundezas do mal” (n.28). Em outras palavras: a raiz profunda dessas turbulências não se encontra nos sistemas econômicos ou nas ideologias políticas, mas no secularismo, na perda da fé sobrenatural em Jesus Cristo, e na substituição da verdadeira esperança cristã por uma crença irracional e dogmática na marcha inexorável da história rumo ao Progresso, quer por meio das revoluções sociais (como os marxistas), quer por meio do progresso técnico-científico e do funcionamento do mercado (como os liberais).

Diante desse abandono das leis de Deus e do endeusamento da capacidade humana de salvar-se a si mesmo, o Papa instituiu a Solenidade de Cristo Rei para nos lembrar que somente Cristo é o verdadeiro Senhor da História: é Dele a palavra final, é a Ele que caberá julgar os vivos e os mortos e dar o sentido definitivo da história.

Esta é uma verdade de nossa fé, amorosamente revelada por Deus: não fomos criados para este mundo, e embora haja muita coisa boa que possamos construir nesta terra, ela jamais nos satisfará. Pelo contrário, nossa vida só fará sentido e só entrará no eixo se vivermos como peregrinos, com os olhos voltados para nossa verdadeira pátria, o Céu.

Aproveitemos, então, para meditar sobre os rumos que damos à nossa vida. Podemos contemplar obras como o Juízo Final. de Hans Memling; ou de Giotto: ver os mortos levantando-se de seus sepulcros, São Miguel com a balança, pesando as almas, e examinar-nos a nós mesmos. Entendo que não viverei para sempre? Que, amanhã ou depois, deverei morrer e prestar contas de minhas ações ao meu Criador? Tenho me esforçado para poder chegar a este momento com a consciência tranquila? Peçamos a Nosso Senhor – que, antes de ser nosso Juiz, é também nosso Advogado – que nos dê a graça de vivermos bem, e estar no grupo que ouvirá: “Vinde benditos de meu Pai, entrai no Reino para vós preparado”!

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