A liberdade de expressão “da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”, tão arduamente conquistada na redemocratização e protegida pela Constituição de 1988 contra “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (arts. 5º, IX; 220, caput e § 2º), corre agora um sério risco, por ocasião do julgamento, no STF, do Marco Civil da Internet.
Quando se destrói a liberdade de expressão – quando se cria a regra de que, na vida social, não se pode mais expressar livremente as ideias –, quem sai perdendo é a própria sociedade como um todo: em termos culturais, científicos, econômicos e políticos. Em nosso amado Brasil, ainda vive na memória de muitos a experiência ditatorial da censura, em que os jornais publicavam receitas de bolo no lugar de matérias jornalísticas, e os artistas tinham de camuflar sua crítica das autoridades constituídas.
Que fique claro: não se trata de defender uma liberdade absoluta de dizer absolutamente tudo e ficar impune. Como qualquer direito, a liberdade de expressão tem seus limites e precisa ser ponderada com interesses conflitantes. Além disso, é também verdade que o espaço digital trouxe mudanças importantes no exercício (e no abuso) da liberdade da expressão: quer pela anonimidade (real ou aparente) que fornecem ao usuário, quer pela ampla difusão da capacidade de ser ouvido a qualquer usuário e não apenas a um reduzido grupo de jornalistas profissionais: quer pelo potencial de deixar “no ar” de forma indefinida uma postagem ofensiva (sem as limitações de tiragem e da periodicidade até a próxima edição). Por todos esses motivos, as redes sociais reclamam sim uma regulamentação especial.
A questão, porém, é que esta regulamentação existe, e foi feita pelo Parlamento em 2014, no chamado Marco Civil da Internet. Por meio do critério democrático, foi feita uma escolha entre as opções de regulamentação: como regra geral, não basta simplesmente que alguém se sinta ofendido para que um conteúdo seja tirado do ar – é preciso que ele passe pelo crivo de um juiz de direito, o qual, conhecedor da lei e apto a exercer um juízo imparcial, determinará a remoção dos conteúdos realmente abusivos. Isso porque, assim como pode haver abusos da parte de quem posta, também pode haver abusos da parte de quem pede a remoção. Além disso, todo e qualquer abuso está sujeito à indenização por perdas e danos, inclusive dano moral.
A Suprema Corte pode ou não concordar com o regime legal emanado do Congresso – mas o fato é que, em uma democracia, não cabe ao Judiciário fazer as leis, mas sim aos representantes eleitos do povo. O Brasil não precisa de homens que pensem ter “um conhecimento mais profundo das leis do desenvolvimento da sociedade” e por isso se arroguem a missão iluminista de empurrar a história no “exercício de um poder absoluto” (Centesimus annus, n. 44). O Brasil precisa de verdadeiros homens públicos, que exerçam sua autoridade com justiça e em respeito à Constituição.