Os grandes na Igreja são os santos

Algumas semanas atrás, o Papa Francisco concedeu uma rara entrevista de longo formato ao tradicional programa 60 Minutes, da rede norte-americana CBS News. Um momento da conversa que viralizou nas redes sociais foi a questão da ordenação de mulheres. A entrevistadora Norah O’Donnell abaixa os olhos para o papel e lança a questão que trouxera meticulosamente armada: “Para uma menininha que hoje cresce católica, chegará o dia em que ela terá a oportunidade de ser diácono e participar do clero da Igreja?”, ao que o Papa responde com candura: “Não”. Ela, então, insiste: “Eu entendo que o senhor já disse não às mulheres padres, mas o senhor está estudando a ideia das mulheres como diáconos. O senhor está aberto a isto?”. E o Papa continua: “Não. Tratando-se de diáconos com ordens sagradas, não. Mas, as mulheres sempre tiveram, eu diria, a função de diaconisas sem ser diáconos. As mulheres são de grande serviço como mulheres, não como ministros dentro das ordens sagradas”.

Bastou este corte para que a internet fosse tomada de reboliço. E, no entanto, como católicos, não devemos aderir à cultura da “lacração”, em que as questões são resolvidas (ou melhor, silenciadas) com base em chavões ou em palavras de ordem. Precisamos fazer um esforço de entender as razões de nossa fé (cf. 1Pe 3,15) – e, no caso, de ouvir com abertura de espírito a explicação do próprio Papa, situando-a no horizonte de nossa santa religião.

O primeiro ponto a ter em vista é que, ao afirmar esta diferença particular entre homens e mulheres, o Papa de modo algum está dizendo que a mulher tem menor valor ou importância que o homem. Pelo contrário, no mesmo contexto, ele deixa claro que “as mulheres são mais corajosas que os homens. Elas sabem melhor como proteger a vida. Elas são mestras da proteção da vida. As mulheres são algo grande, são algo de muito grande”.

Como ensina o próprio Catecismo da Igreja Católica, existe entre os sexos uma “igualdade e diferença queridas por Deus”, pois se, por um lado, temos todos “uma mesma dignidade” de imagem de Deus, por outro lado, somos “complementares como masculino e feminino” – ou seja, há características que são próprias de cada sexo, e que fazem que “cada um possa ser ‘ajuda’ para o outro” (nn. 369-372). O mesmo princípio vale, aliás, para aquelas diferenças naturais de aptidões, interesses e habilidades que vemos entre todos os membros da sociedade: Deus não é igualitarista; Ele não nos criou todos idênticos, “porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença das suas respectivas condições” (Leão XIII, Rerum novarum).

No fundo, os verdadeiros machistas são os que acham que a mulher só será valorizada se for nivelada em tudo com aquilo que é próprio da natureza masculina, pois, implicitamente, insinuam que os traços (e inclusive os vícios) caracteristicamente masculinos são superiores aos femininos. É esse tipo de machismo às avessas que leva algumas mulheres e movimentos políticos e ideológicos a desvalorizar aquelas qualidades e dons com os quais Deus cumulou o sexo feminino e que, uma vez negados, implodem a realização daquela maravilhosa relação de amor, complementaridade e cumplicidade entre homens e mulheres, queridos pelo próprio Criador, que os criou “à sua imagem e semelhança”, diferentes e com igual dignidade.

Existe, porém, um segundo ponto, ainda mais profundo. Ao contextualizar sua pergunta, a entrevistadora falou repetidas vezes em poder: disse duas vezes que o Papa colocou mulheres em “posições de poder”, e, também, que “muitas mulheres se sentem chamadas a servir, mas se queixam da falta de papéis de liderança”.

Quem conhece a fundo a vida da Igreja, a sua história, encontrará figuras femininas que tiveram papéis proeminentes e decisivos, como Santa Joana d´Arc, Santa Catarina de Siena; as duas doutoras da Igreja carmelitas, Tereza de Ávila e Teresinha de Jesus, Santa Edith Stein, padroeira da Europa, apenas para citar alguns exemplos. Indo mais além, é certo dizer que a maior parte das atividades apostólicas e de caridade exercidas diariamente nas milhares de paróquias e comunidades de base são levadas adiante por mulheres.

Por fim, a expressão “poder” não parece ser a de um cristão inspirado pela fé sobrenatural, mas sim a de quem, como a mãe de Tiago e João, articula cargos e benefícios políticos para seus protegidos. Com Jesus, respondemos que essa mentalidade de dominação e jogos de poder é própria dos “chefes dos gentios”, não de cristãos. “Não seja assim entre nós: todo aquele que quiser tornar-se grande, torne-se servidor, assim como o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir” (cf. Mt 20,20-28). Como dizia São João Paulo II, ao tomar a decisão definitiva sobre o assunto: “O único carisma superior, a que se pode e deve aspirar, é a caridade (cf. 1 Cor 12-13). Os maiores no Reino dos céus não são os ministros, mas os santos”. Amemos, portanto, nosso Papa Francisco e agradeçamos-lhe pela coragem de preservar com simplicidade a verdade católica contra as distorções de um mundanismo machista.

*Imagem de Santa Catarina de Siena

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