Vocação leiga

Dentro da tradição já consolidada da Igreja no Brasil de dedicar as semanas do mês de agosto à meditação sobre cada um dos estados de vida dentro da Igreja, o tema dos leigos merece uma atenção e um carinho todo especiais, porque é muito comum que se tenha uma má compreensão da vocação laical – quase como se se tratasse de um Cristianismo “de segunda categoria”, para quem não teve coragem o suficiente para entregar-se a Deus no sacerdócio ou na vida consagrada… 

Aliás, se abrirmos o dicionário, acharemos que a palavra leigo, que originalmente era simplesmente o contrário de eclesiástico e designava “quem não pertence ao clero nem fez votos religiosos”, por uma infeliz transformação passou a ser sinônimo de “desconhecedor”, “que não tem conhecimentos especializados em determinada área” – assim, hoje alguém diz que é “leigo em informática” ou “leigo em rugby”… Existe, de fato, até mesmo dentro da Igreja, uma mentalidade que desvaloriza a vocação própria dos fiéis leigos – e um sintoma típico deste erro é quando se pensa que o leigo só é valorizado quando faz aquelas coisas que são próprias do sacerdote, na liturgia.

No princípio, no entanto, não era assim. A palavra leigo vem do grego laikós, “do povo”, “que pertence ao povo”: pois os leigos são povo de Deus. Precisamos entender que, embora seja apenas no Céu e na Jerusalém celeste que a Igreja assumirá sua forma definitiva, Deus quer começar a construi-la já nesta terra, como um verdadeiro corpo vivo de Jesus Cristo. Ora, mas se é assim, a Igreja que ainda peregrina nesta terra precisa respeitar as características próprias de qualquer sociedade humana: ela precisa de pais e mães de família, que com seu amor generoso gerem e eduquem as futuras gerações; ela precisa de profissionais especializados nas diversas áreas do trabalho humano, do padeiro ao cardiologista. Se todos fôssemos celibatários, que se fazem eunucos pelo Reino dos Céus, quem traria ao mundo a próxima geração de cristãos? Se todos fôssemos médicos, quem faria os pães para nosso café da manhã? E se todos fôssemos padeiros, quem saberia identificar e tratar as doenças do coração?

As diversas ocupações honestas que compõem uma sociedade humana são, assim, desejadas por Deus – e são, portanto, uma verdadeira vocação divina para aqueles que as exercem, tanto quanto o ser padre ou ser freira é um chamado de Deus para os que abraçam este caminho.

No âmbito da vida eclesial, Deus não necessita apenas de mãos, pés e voz de consagrados. Aliás, todos fomos consagrados no sacramento do Batismo e participamos, em graus e formas diferentes, do sacerdócio de Cristo. Assim, na comunidade eclesial, o Espírito Santo suscita diferentes carismas de serviço e evangelização: a uns, confere o serviço do canto litúrgico; a outros, o dom de ensinar catequese; a outros, o dom de atuarem na pastoral familiar, ou na pastoral com os jovens. 

Já nos primeiros séculos do Cristianismo, Santo Agostinho ensinava que não é só na missa, de joelhos, que se reza: em uma de suas homilias, em uma grande celebração onde todos cantavam Aleluias em louvor a Deus, ele exortava: “louvai a Deus não só com a língua e a voz, mas também com a vossa consciência, vossa vida, vossas ações. Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja – mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Ora, se vocês não deixarem de viver santamente, louvarão sempre a Deus. Vocês deixam de louvá-Lo quando se afastam da justiça e do que lhe agrada. Mas, se nunca se desviarem do bom caminho, ainda que vossas línguas se calem, vossas vidas clamarão; e o ouvido de Deus estará perto do vosso coração. Porque assim como nossos ouvidos escutam nossas palavras, assim os ouvidos de Deus escutam nossos pensamentos” (Comentários sobre o Salmo 148,1-2; CCL 40,2165-2166).

Façamos, então, de nossa vida uma contínua oração a Deus: pelo trabalho bem-feito, pelos pequenos detalhes de capricho zelo que fazemos por amor a Deus, na segunda-feira de manhã ou no fim do expediente de sexta-feira… E ofereceremos verdadeiros sacrifícios espirituais a Deus, que Lhe agradam como as liturgias dos mosteiros.

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