Na Quarta-feira de Cinzas, a Igreja mais uma vez nos convida a começarmos aquele santo período anual de conversão e preparação para a Páscoa do Senhor. Que alegria sentiremos se ao chegar a Solene Vigília Pascoal pudermos dizer que esses 40 dias de oração, penitência e esmola foram bem vividos e nos aproximaram de Deus! Retornemos ainda uma vez, então, ao sentido espiritual que têm estas três práticas quaresmais que a tradição nos recomenda.
A oração – que às vezes é mal-compreendida como “esvaziar a cabeça” ou “não pensar em nada” – consiste, na verdade, em elevar a Deus a mente e coração, no meio dos afazeres da vida ordinária. O grande autor espiritual e monge trapista Thomas Merton dizia que o primeiro passo para melhorar nossa vida de oração é gastar o tempo necessário. De fato, há várias maneiras de cultivar e aprofundar nossa amizade com alguém – mas qualquer uma delas exige que dediquemos à pessoa algo de nosso tempo.
Nesta Quaresma, escolhamos, então, uma forma concreta de dedicar mais tempo de qualidade para Deus. Quem sabe pegar aquele Terço que deixamos enfeitando a cabeceira da cama e decidir rezá-lo todos os dias; ou quem sabe reservar 20 ou 30 minutos, todo dia, para a oração mental: meditando sobre o Evangelho do dia ou sobre algum trecho da Imitação de Cristo, se possível, diante do Sacrário. Uma prática bastante aconselhada pelos santos é começar o dia com um tempo de oração: acordamos com um pouco de antecedência, quem sabe tomamos uma rápida xícara de café para despertar, e nos instalamos em um lugar tranquilo, para abrir o coração a Deus durante um tempo marcado (podemos até usar um alarme pra marcar o tempo e não perder o ritmo do dia).
Antes de falar do jejum, precisamos entender que nós católicos não somos puritanos; para nós, os desejos e prazeres naturais do corpo não são maus em si mesmos: “Deus não tem as mãos sujas”, e, portanto, tudo o que Ele criou é bom. A questão é que nossos desejos e apetites tendem a se comportar como crianças pequenas: elas querem porque querem quando querem – mas qualquer bom pai ou mãe de família sabe que, para o bem de seu filho, às vezes é preciso dizer-lhe um não. O sentido das práticas de penitência corporal, portanto, é disciplinar nossos apetites e nos dar autodomínio, para que possamos nos concentrar nos desejos mais profundos de nosso coração: a alegria que vem da doação amorosa ao outro, o prazer de vencer um desafio e levar um trabalho ao bom termo…
O bom e velho jejum de comida continua sempre atual: afinal de contas, se não nos dispomos nem sequer a sentir um pouco de fome por algumas horas, como conseguiremos perseverar na luta por um ideal maior? Podemos também fazer o “jejum” de telas e de redes sociais: estas tecnologias conseguem cada vez mais realizar seu propósito de nos tornar dependentes, com menor poder de concentração e raciocínio crítico.
Por fim, a esmola. O mais importante, aqui, não é o simples fato de dar dinheiro, mas, sim, o de praticar ações bem concretas que manifestem nosso amor e doação para os outros. Nesse sentindo é que a tradição católica reconhece todo um conjunto de obras de misericórdia, tanto corporais quanto espirituais: por exemplo, ensinar alguém sobre a Lei de Deus, e sobre como o pecado só nos leva à infelicidade e à morte, é uma grande obra de amor! Mas também a esmola de dinheiro continua importante: vivemos num mundo muito materialista, em que o valor das pessoas é frequentemente medido por seu salário ou patrimônio, e nesse contexto pode nos fazer muito bem ser um pouco mais desapegados do vil metal. Antes de sair de casa, por exemplo, podemos separar um trocado para dar a alguém que precise; ou podemos ser um pouco mais generosos no ofertório da missa; ou dar uma gorjeta um pouco maior quando alguém nos presta um serviço.
Vamos viver bem esta Quaresma, caprichando em nossas obras quaresmais da oração, penitência e esmola, para que não aconteça que, chegada a Páscoa, pensemos: “Puxa, a Quaresma passou e, na verdade, nada mudou em minha vida…” Eis o tempo de conversão!
