A coragem de crer


A fé é um dom de Deus, recebido no Batismo. Jesus elogia com frequência a fé sincera e confiante das pessoas: “ó mulher, grande é a tua fé!” (Mt 15,28). Mas também lamenta a falta de fé em outros casos: “onde está a vossa fé?” (Lc 8,25). A fé também é a resposta humana a Deus, que se nos manifesta e interpela de muitos modos. Sem essa resposta a Deus mediante a atitude da fé, esse dom não se desenvolve e pode até desaparecer em nós. A fé cresce, desenvolve-se e amadurece, tornando-se capaz de produzir os seus frutos, na medida da nossa correspondência a esse dom precioso.

Talvez pretendamos “provas” da parte de Deus para, somente então, acreditar nele. Foi o caso do apóstolo São Tomé que, não acreditando no testemunho dos outros apóstolos, quis primeiro ver Jesus ressuscitado e tocar em suas chagas para, somente assim, acreditar em sua Ressurreição. Ele acabou conseguindo essa graça tão especial e, em compensação, fez a profissão de fé mais completa em Jesus: “meu Senhor e meu Deus!”. Mas Jesus repreendeu-o por sua incredulidade e disse que não seria esse o modo ordinário para se chegar à profissão da fé: “creste porque me viste, Tomé! Felizes aqueles que creem sem terem visto” (cf. Jo 20,26-29).

Pode acontecer que também nós, como São Tomé, pretendamos primeiro “ver, para crer” em Deus. Mas não cabe a nós, exigir sinais extraordinários de Deus, para “provar” sua existência e credibilidade. Cabe-nos abrir os olhos, a inteligência e o coração para reconhecer e acolher os sinais de Deus presentes em toda parte, na natureza, na vida das pessoas, na história humana, na nossa própria história. O ato de fé nunca é uma afirmação abstrata e meramente intelectual: ele vem sempre acompanhado de uma narração das obras de Deus ou de um testemunho pessoal. “Creio, porque… Creio por isso, por aquilo…” E tem muito a ver com uma experiência pessoal: de fato, Deus não é uma ideia abstrata ou uma doutrina, mas um tu, que vem ao nosso encontro, cuja presença e ação percebemos, a quem nos dirigimos e com quem nos relacionamos. Jesus revelou que esse grande Tu é um Pai que nos conhece e nos ama com a filhos muito queridos. Jesus desmistifica o ato de fé por medo ou mera sujeição.

O ato de fé, como adesão a Deus, também tem muito a ver com uma decisão livre e responsável, a partir da tomada de consciência das maravilhas de Deus. São Paulo diz que são insensatos e inexcusáveis aqueles que não chegam a reconhecer Deus mediante os sinais deixados por Ele no mundo (cf. Rm 1,18-23). No Evangelho de São João, Jesus identifica-se como “o verdadeiro pão descido do céu para a vida do mundo” e diz a todos que é preciso alimentar-se do seu corpo e sangue para ter parte na vida eterna. Muitos discípulos, então, murmuram contra ele, dizendo: “essa palavra é muito dura. Quem a pode ouvir?” E abandonaram Jesus, que se voltou aos doze apóstolos e lhes perguntou: “vocês também querem ir embora?” Foi um momento séria crise e de decisão para eles: continuar com Jesus, ou ir-se embora também? (cf Jo 6,60-67). Crises semelhantes podemos enfrentar também nós ao longo da vida, quando nos parece não haver mais sentido no que cremos.

Simão Pedro respondeu à interpelação de Jesus com uma renovada profissão de fé: “a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69). A resposta de Pedro contém  elementos importantes do ato de fé. “Nós sabemos”: isso revela a experiência dos encontros e do convívio com Jesus. O ato de fé está ligado a uma experiência vivida, quer pessoalmente, quer pela comunidade que crê. Nós não cremos sozinhos: cremos com a Igreja, comunidade de fé. E cremos como a Igreja crê. Crer com a comunidade de fé nos dá uma imensa serenidade e segurança no ato de fé e nos pode ajudar a superar nossas crises de fé.

Outro aspecto importante do ato de fé na resposta de Pedro mostra que o ato de fé é também fruto de uma decisão pessoal e envolvente, com a qual se abraça o “risco de crer”. O ato de fé supõe entrega confiante e não podemos pretender clareza absoluta quando o fazemos. Temos motivos para crer, como Pedro, que dá os motivos da sua proclamação e decisão: “A quem iremos nós? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e reconhecemos”. Crer é também um ato de confiança, coragem e até de ousadia. É fruto de humildade sincera e de reconhecimento de Deus, merecedor de nossa confiança. Mas não é uma loucura ou insensatez irresponsável. 

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