Amizade social: Vós sois meus amigos

Sergio Ricciuto Conte

O lema da Campanha da Fraternidade deste ano poderia ser interpretado apenas a partir do seu enfoque antropológico e social. Mas também existe uma conotação bonita da amizade e do “amigo”, a partir do olhar da fé. O conceito “amigo” (companheiro) e, por consequência, de “amizade’, aparece com frequência na Bíblia, no Antigo e no Novo Testamento.

De Moisés, diz-se que Deus falava com ele face a face, como quem fala com seu amigo (cf. Êx 33,11). É um elogio enorme a um homem que se torna íntimo e confidente de Deus. Mas também fala de Deus, que se coloca frente a frente com um homem, como faria um amigo com outro amigo. O justo Jó, em meio a seus sofrimentos, queixa-se dos amigos, que tentam, de alguma maneira, convencê-lo de que Deus não é justo com ele, uma vez que o deixa sofrer dessa maneira. Jó, porém, os repreende por pensarem mal de Deus (cf. Jó 6,27). No final do livro, Jó acaba intercedendo pelos amigos, que julgaram e falaram mal de Deus, livrando-os do castigo divino (cf. Jó 42,7-10). O amigo não deseja a ruína do amigo, mesmo quando este erra.

Nos Salmos, lemos como a perda, a traição ou o afastamento dos amigos são causas de grandes sofrimentos: “Meus amigos e meus companheiros mantêm-se longe de minhas chagas e meus próximos também se afastaram” (Sl 38,12). “Até meu amigo pessoal, no qual eu confiava, que comia à minha mesa, levantou o calcanhar contra mim” (Sl 41,10). A pessoa injustiçada desabafa amargamente: “Se um inimigo me insultasse, eu suportaria. Mas és tu, meu amigo, meu parente e meu íntimo, com quem tive agradável companhia…” (cf. Sl 55,13-15). A traição dos amigos machuca profundamente. É isso mesmo que também Jesus manifesta, quando Judas o trai com um beijo: “Amigo, para que vieste?” (Mt 26,50). “Judas, tu entregas o Filho do Homem com um beijo?” (Lc 22,47). Há amigos falsos e interesseiros: “O rico tem muitos amigos” (Pv 14,20), que se vão quando o dinheiro acaba (Pv 19,4). A fofoca e a maledicência (Fake news) destroem as amizades: “O difamador afasta os maiores amigos” (Pv 16,28).

No Evangelho, aplica-se o conceito de “amigo” a Jesus em vários sentidos. Seus críticos o desprezam, acusando-o de ser “amigo dos publicanos e pecadores” (cf. Lc 7,34). Em outra passagem, alguém intercede em favor do centurião romano, cujo servo estava doente: “Ele merece que lhe faças esse favor porque é amigo do nosso povo. Ele até construiu uma sinagoga para nós” (Lc 7,5). Mas é o próprio Jesus que usa o conceito “amigo” em várias passagens de seus ensinamentos: “Digo-vos, meus amigos: não tenhais medo dos que matam o corpo e depois não podem fazer mais nada” (Lc 12,4). E aconselha a não convidar os amigos, parentes e vizinhos ricos para um banquete, mas os pobres, os aleijados os cegos… Estes não terão como retribuir e o Pai do céu cuidará da recompensa” (cf. Lc 14,12-14).

A fala mais forte de Jesus sobre a amizade e os amigos encontra-se no Evangelho de São João, no contexto das palavras de despedida, após a última ceia: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Se fizerdes o que vos mando, vós sois meus amigos. Já não vos chamo servos (…), mas amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,13-15). O momento em que Jesus diz isso aos apóstolos é especialmente importante: Ele está consciente daquilo que lhe acontecerá em pouco tempo: a traição de Judas, o julgamento iníquo, o desprezo, a tortura, a condenação à morte e a morte de cruz. É como se pedisse do fundo do coração: fiquem comigo, não me abandonem. Humanamente, pode-se imaginar que Jesus sentiu pavor e angústia diante dessa situação e procurou o apoio dos amigos-apóstolos. Eles, porém, não compreenderam isso naquele momento. Mais tarde, depois da Ressurreição, Pedro expressou arrependimento e firmeza do seu amor (amizade) pelo Mestre, quando respondeu a Jesus, bem três vezes: “Sim, Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que te amo” (cf. Jo 21,15-18).

Quando Jesus fala aos apóstolos que eles são seus amigos, não se deve entender essa amizade apenas no horizonte do afeto: Jesus chama “amigos” os discípulos porque eles participam dos sentimentos e segredos do seu coração: Ele lhes revelou os segredos do Pai, seu amor misericordioso e suas promessas. Jesus une os amigos à sua missão e também lhes promete a participação na sua glória. Os cristãos poderiam bem ser chamados “os amigos de Jesus”. É belo pensar a vida cristã como “amizade com Jesus e com Deus” e isso não é falso. Grandes mestres de mística e da espiritualidade descreveram a vida cristã como a constante vivência da amizade com Deus.
O que dizer, então, quando falamos de “fraternidade e amizade social”? Não se trata de mera conveniência social para a superação de polarizações e conflitos. Na busca da amizade social, há um valor cristão intrínseco, fruto da vida segundo o Evangelho. Para os cristãos, a promoção da amizade social é um testemunho de que o Reino de Deus chegou, uma missão e uma extensão da vida cristã

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