O centenário do nascimento de São João Paulo II, transcorrido no dia 18 de maio, ofereceu ocasião para muitas celebrações e recordações sobre esse grande Papa, que deixou uma profunda marca de sua atuação à frente da Igreja durante um período fecundo, mas também difícil. Neste artigo, desejo relatar algumas lembranças pessoais sobre ele e seu pontificado.
Em 1978, quando foi eleito, eu tinha 29 anos de idade e era um jovem padre. Sua eleição deixou no ar um misto de surpresa e de esperança, pois se tratava de um papa “estrangeiro”, depois de uma longa sequência de papas italianos. A muitos, parecia que os papas, normalmente, deviam ser italianos. É verdade que, ao longo da história, um bom número de papas não era dessa nacionalidade. Surpresa maior ainda causou a eleição de um papa vindo de um país que estava sob um regime comunista, que impunha muitas restrições à ação da Igreja e à liberdade religiosa. A surpresa, porém, também foi acompanhada por um ar de alegria e esperança. Algo de novo estava acontecendo na Igreja e no mundo e prometia mudanças boas, mais ainda porque se tratava de um papa jovem, de apenas 58 anos, muito abaixo da média de idade dos seus predecessores. Um papa que gostava de multidões, teatro, música, passeios nas montanhas e esquiar no inverno. Um papa que falava muitas línguas e se comunicava com facilidade com o povo, com todos os grupos sociais e idades.
As viagens internacionais, que se sucederam uma após a outra, também mostravam um papa diferente, que queria estar próximo da Igreja nas suas mais diversas realidades sociais e culturais. Isso se confirmou ao longo de todo o seu pontificado, com a visita à maioria dos países, mesmo pequenos e de população reduzida. Não eram viagens de turismo e lazer, mas visitas apostólicas e missionárias. Ele conheceu de perto o rosto e a situação da Igreja em todo o mundo. Em 1980, veio pela primeira vez ao Brasil. Viria ainda outras duas vezes. A primeira visita ao Brasil durou 12 dias. Começando por Belo Horizonte (MG) – “que belo horizonte!” –, incluiu as principais cidades do Brasil, de norte a sul. Estive no meio da multidão que participou da missa por ele celebrada em Curitiba (PR). Ainda não havia sido nenhum encontro próximo, mas me encheu de entusiasmo.
Durante meu primeiro período de estudos em Roma, de 1982 a 1984, tive a oportunidade de acompanhar meu bispo, de Toledo (PR) em sua audiência pessoal com o Papa, durante a visita ad limina. De minha parte, foi um encontro breve, porém, marcante. Ele olhava as pessoas com profundidade e tinha sempre uma palavra pessoal para cada um. Lembro que os bispos comentavam com admiração que o Papa os recebia, em grupos, para o almoço com ele e que ele, mais que comer, queria ouvir o que os bispos tinham a comentar. Era ali que ele percebia o coração e a têmpera dos pastores que estavam à frente das dioceses de todo o mundo. Além disso, durante a visita ad limina, os bispos também celebravam com o Papa em pequenos grupos na sua capela privada. Isso os enchia de alegria e aprofundava a sua comunhão com o Pontífice.
Tive, depois, o convite para trabalhar como ajudante interno na Congregação para os Bispos, na Cúria Romana, de 1994 até o início de 2002. Com outros sacerdotes, oriundos de 13 países diversos, tive a percepção da enormidade da missão e do trabalho do Papa diante da Igreja e nas suas relações com o mundo. Naturalmente, João Paulo II contava com um grande corpo de colaboradores e lhes delegava
incumbências específicas. O próprio Papa, porém, acompanhava os trabalhos dos diversos setores da Cúria. Durante esse período, tive muitos encontros próximos com o Papa, além das celebrações das quais participava com regularidade. Ele possuía uma grande energia pessoal e atraía muitas pessoas para os eventos em que estava presente. Deu grande destaque aos jovens, que se sentiram especialmente atraídos por ele.
Em novembro de 2001, fui nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo, estando ainda em serviço no Vaticano. Antes de regressar ao Brasil, em janeiro de 2002, pude celebrar na capela privada do apartamento pontifício, junto com o arcebispo emérito de Messina (Sicília), ao lado do Papa. Foi um momento marcante e lembro vivamente a sua atitude na oração. Parecia que ele estava fisicamente na presença de Deus e em diálogo com Ele. E assim também me pareceu durante a celebração da missa. Ele era um homem de oração e de grande confiança em Deus. No final da missa, vendo que eu ainda não usava uma cruz peitoral, ele colocou uma em mim. Conservo-a com muito carinho até hoje, como uma lembrança pessoal, quase uma relíquia, desse grande pastor da Igreja.