Preparando a Conferência Eclesial da América Latina e do Caribe, a ser realizada no fim de novembro deste ano, recordamos as conclusões e diretrizes da Conferência de Aparecida, realizada em 2007. Conforme observou o Papa Francisco, muita coisa boa já foi suscitada na Igreja da América Latina e do Caribe a partir daquela Conferência Geral, realizada com representantes dos episcopados do continente americano. Mas ainda há riquezas pouco ou nada exploradas, que precisam ser retomadas e podem render muito fruto para a vida e a missão da Igreja.
Um dos objetivos da Conferência de Aparecida foi o de propor uma verdadeira “sacudida missionária” à Igreja do continente. Não basta enaltecer o trabalho dos missionários de séculos passados, que foi, certamente, extraordinário. E não é suficiente dizer que somos o continente mais cristão e católico do mundo. Se olharmos com realismo ao nosso redor, constataremos que a evangelização precisa ser retomada de maneira decidida e até urgente. A fé e a vida cristãs já não passam mais espontaneamente, de geração a geração, e a evangelização jamais pode ser vista como uma obra concluída, mas precisa ser retomada a cada geração e promovida de maneira metódica e constante.
O que se constatou, por exemplo, é que a acolhida do Evangelho de Cristo ainda é bastante superficial e sem raízes profundas na vida e na cultura dos nossos povos. Dessa maneira, uma religiosidade exuberante e com referências cristãs, mas com inconsequente e com convicções superficiais e frágeis, pode conviver com situações sociais marcadas por fortes desigualdades, violências, corrupção moral, desrespeito à pessoa e sua dignidade, e injustiças sociais arraigadas. Isso significa que o processo de evangelização precisa continuar e ser aprofundado mais e mais, para que o Evangelho de Cristo produza frutos de vida para todos.
A Conferência de Aparecida quis oferecer um forte estímulo à “nova evangelização” nas Igrejas do continente americano. Não é suficiente fazer uma pastoral de manutenção, mas é preciso passar a uma pastoral decididamente missionária. É evidente que a pastoral da Igreja precisa ser também de conservação, cuidando do cultivo da fé e da vida cristã daqueles que já são membros vivos da Igreja. Do contrário, haveria o risco de esfriamento e abandono da fé desses membros da Igreja também. Uma vida cristã aprofundada e bem cultivada é pressuposto para uma Igreja missionária, pois não se tornam missionários aqueles que não têm apreço pelo Evangelho e pela vida cristã.
Porém, a dimensão missionária não pode ficar esquecida, nem relegada a ser um aspecto secundário, objeto de preocupação apenas de uns poucos, que chamamos “missionários” e enviamos para terras distantes. A Igreja é essencialmente missionária, e o anúncio e testemunho do Evangelho são sua missão primordial. Toda a vida e ação da Igreja precisa ter a marca da missão. Todo membro da Igreja é missionário a partir do seu batismo e recebe o envio missionário em diversos momentos da vida. Nem todos partem para terras distantes, mas todos participam da missão, de um modo ou de outro.
O Papa Francisco insistiu nessa dimensão missionária da Igreja inteira desde o primeiro dia de seu pontificado. Na exortação apostólica Evangelii gaudium, sobre a alegria do Evangelho (2014), Francisco conclamou todos a sermos uma “Igreja em saída missionária”. A Igreja não deve ficar fechada sobre si mesma, esquecida que ela existe para a missão entre o povo. Ela também não pode ser apenas um grupo que pensa na sua vida e organização internas. A cultura da “Igreja em saída missionária” ainda precisa avançar muito mais e, possivelmente, este é um aspecto do Documento de Aparecida posto em prática de maneira ainda insuficiente. Ao ser concluída, a Conferência de Aparecida assumiu o compromisso de promover uma “missão permanente” em todo o nosso continente. As comunidades eclesiais todas foram chamadas a se colocar “em estado permanente de missão”, sem a pretensão de que a ação missionária pudesse ser encerrada, por ter já alcançado os seus objetivos.
Agora é o tempo de avaliarmos se esses impulsos missionários vindos da Conferência de
Aparecida foram bem acolhidos e postos em ação nas comunidades eclesiais. Provavelmente, temos aí uma grande lacuna na acolhida das conclusões de Aparecida. Ao realizar o sínodo arquidiocesano, “caminho de comunhão, conversão e renovação missionária”, nossa Arquidiocese tenta atender a esse apelo. Precisamos ser comunidades verdadeiramente missionárias nesta metrópole imensa, onde a Igreja também pode estar exposta à tentação de se acomodar a uma “pastoral de mera conservação”. É o constante desafio a enfrentar com lucidez e coragem.