Divórcio católico?

Alguns fariseus, peritos em falar com Jesus para saber se Ele era progressista ou conservador: a favor ou contra o divórcio. E perguntam: “Moisés, que promulgou a lei da religião judaica, permitiu o divórcio. Tu, o que dizes?” A aposta era pesada: colocar Jesus contra Moisés e ter motivo para acusá-lo, caso fosse contra a decisão de Moisés. Mas Jesus não cai na armadilha e responde: foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés permitiu isso. Desde o início, porém, não foi assim. Deus criou o homem e a mulher para a união, e não para a separação (cf Mc 10,2-16).

Jesus vai ao ponto. Existiram e existem divórcios, é verdade, mas isso não é conforme a vontade original do Criador. Se a lei dos homens permite “desfazer” o casamento, é para sanar uma fraqueza humana, ou mesmo a “dureza do coração”, que não aceita viver conforme a vontade de Deus. E Jesus recorda qual é a vontade do Criador: homem e mulher foram pensados por Deus para a união, para o companheirismo, para a complementação recíproca e para realizarem juntos um projeto de vida que, sozinhos, não poderiam realizar. Os dons e capacidades dele e dela se complementam, de maneira a se tornarem, mais e mais, “uma só carne”.

Lamentavelmente, a cultura contemporânea não favorece a vivência desse ensinamento bíblico fundamental a respeito do ser humano. A exacerbação do individualismo no casamento dificulta muito a vivência do Matrimônio e até mesmo a convivência entre homem e mulher. A tendência à autoafirmação individualista leva à “prepotência, à subjugação e ao domínio de um pelo outro. A “guerra dos sexos” não pode ter um futuro bom. Da mesma forma, a tendência a ver o homem e a mulher como concorrentes implacáveis, em vez de companheiros que se complementam, leva ao germe desagregador da convivência e da dinâmica da vida.

O texto bíblico da criação do homem e da mulher oferece a base iluminadora para a relação entre ambos (cf. Gn 2,18-24): o diálogo e a possibilidade de interação (“um semelhante a ele”); a mesma dignidade (“osso dos meus ossos, carne da minha carne”); a ajuda recíproca e o amor que une (“serão uma só carne”). É interessante observar o texto que precede a criação da mulher: Adão, rodeado de animais e todo tipo de seres, vivia numa grande solidão; entre todos os animais, não encontrou nenhum que lhe fosse “semelhante”. Por muito que gostasse dos seus “pets”, ele continuava só. Deus viu a sua solidão e lhe deu a mulher por companheira. Adão ficou feliz e exclamou: agora sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne. É o mesmo que dizer: reconheço nela alguém semelhante a mim. Deus dispôs que vivessem um para o outro e os encarregou para serem cuidadores de toda a criação.

Voltemos à questão: a Igreja aprova o divórcio? Claramente, o divórcio na lei civil não é aprovado pela Igreja, mas pelo legislador civil. Na sua legislação canônica, a Igreja mantém a sua posição, bem conhecida: ela não aprova, nem faz o divórcio. Nisso, ela se refere sempre ao que Jesus recordou no Evangelho: a vontade de Deus a respeito do casamento não é a separação e o divórcio, mas a união. Isso permanece válido para sempre em relação ao casamento, sendo a meta alta para a qual tendem os casamentos verdadeiros, ao se realizarem. Não teria sentido casar com a intenção de separar-se em seguida. Não seria verdadeiro casamento.

Porém, na realidade da vida existem muitas separações e casamentos que se romperam por uma série de motivos e são causa de sofrimento para muitas pessoas. A separação nunca acontece sem deixar feridas. Muitas vezes, o divórcio acaba sendo uma decisão extrema, para reencontrar um pouco de dignidade e paz. Nesses casos, é preciso lembrar que a misericórdia de Deus é para todos e quem tiver sido envolvido numa história de separação ou divórcio não deve desesperar, mas seguir buscando a Deus e também a vida da Igreja, para encontrar apoio e esperança.

Recentemente, o Papa Francisco modificou a legislação sobre os processos de reconhecimento da nulidade matrimonial, para agilizar a sua análise e a resposta da Igreja aos pedidos de verificação de nulidade do casamento. Também ficaram mais bem explicitados os motivos de nulidade de um casamento. Contudo, isso não modificou a norma básica da indissolubilidade do Matrimônio, que a Igreja reafirma: a vontade de Deus, em relação ao casamento, é a união entre o homem e a mulher, e não, a separação. Não há “divórcio católico”.

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Antonio Marmo Cabral
Antonio Marmo Cabral
16 dias atrás

Gostaria de saber o que faz a Igreja pensar que casais de segunda união não podem receber a eucarística? Qual fundamentação teológica pra isso?