A virada do milênio parecia trazer uma era de paz para a humanidade. Mas não foi o que aconteceu. Os muitos apelos ao perdão e à reconciliação, à “purificação da memória”, sepultando antigas desavenças e resolvendo no diálogo e no pleno respeito ao direito e à justiça as pendências existentes, não foram capazes de promover a paz segura e duradoura.
Desde o início do século XXI, quantos atentados e conflitos internos em países e guerras entre países já aconteceram! Como tinha razão São Paulo VI, ao falar com voz embargada no plenário da ONU: “Nada se ganha com a guerra”; tudo se pode perder com a guerra! O resultado das guerras sempre é destruição, dor, sofrimento e morte, sobretudo para os civis e as populações indefesas. Cada guerra deixa um saldo pesado de miséria e ódio, que pode perdurar por muito tempo!
Estamos, agora, assistindo à guerra da Rússia contra a Ucrânia, iniciada com a invasão desta pela Rússia há um mês. Apesar de muita gestão diplomática, não foi possível deter o agressor, que avança sobre um país que se defende como pode. Poderia ter havido uma solução diversa para as pendências que levaram a decidir pela guerra? Certamente, uma arbitragem honesta, aceita por ambas as partes, poderia ter solucionado as questões mal resolvidas entre os dois países, contanto que isso fosse aceito por ambos. Mas se recorreu à força para esmagar com violência, destruição e morte o outro país.
Em mais de uma ocasião, o Papa Francisco levantou a voz e denunciou: “Essa guerra é insensata, uma loucura! Em nome de Deus, parem com a guerra!”. O Pontífice recordou que se trata de dois países com base cultural cristã: um, de tradição ortodoxa, e o outro, sobretudo, católica. São irmãos lutando entre si e se destruindo, Caim segue matando Abel… Que motivo seria razoável para justificar essa loucura? Razões econômicas, ressentimentos históricos não superados, projetos de conquista e domínio, vaidades da demonstração de força bruta? Deus é senhor e juiz da humanidade e da história!
No próximo dia 25 de março, os cristãos celebram a Anunciação do Anjo a Maria de que ela seria a Mãe do Salvador, do Príncipe da Paz. A solenidade litúrgica lembra o ato divino mediante o qual o Filho de Deus entrou em nossa história e se fez um de nós, no seio da Virgem Maria. “O Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós.” Veio para reunir novamente em família de irmãos a humanidade dispersa, em lutas e guerras. A humanidade ainda não aprendeu essa lição: Deus ama a todos como a filhos, detesta os soberbos e violentos, castiga quem despreza e mata e pede contas de sangue derramado. Deus nos quer unidos como filhos muito queridos e irmãos que se amam e se ajudam. Quanto estamos a dever a esse desejo do Pai de toda a humanidade!
O Papa Francisco, no mesmo dia 25 de março, cumprirá um gesto surpreendente: consagrará ao Imaculado Coração de Maria, ao mesmo tempo, a Rússia e a Ucrânia, significando que ambos os países devem viver em paz e como povos irmãos. Não pode ser outro o propósito de quem tem fé em Deus: que os povos todos vivam em paz, justiça e fraternidade. Maria é Mãe de todos e nós a invocamos como Rainha da Paz. Se assistimos perplexos e impotentes ao avanço do monstro destruidor da guerra, pedimos juntos Àquela que esmagou a cabeça da serpente enganadora que toque o coração e a consciência de quem deve decidir pelo fim da guerra.
Que o próximo dia 25 de março seja marcado pela oração e pela penitência em favor da conversão dos violentos e opressores do próximo. E também marcado pela nossa firme manifestação de apoio ao povo ucraniano em seu sofrimento. Mas também lembremos as outras guerras ainda em andamento no mundo, que nem mais chegam às manchetes dos noticiários. Há guerras em andamento na África e na Ásia; há situações mal resolvidas, que podem explodir em novos conflitos.
Mas também há guerras não declaradas, em que não se disparam mísseis nem se movimentam tanques, mas que fazem violência sobre fracos e indefesos e todos os dias matam a muitos nas ruas e praças de nossas cidades, nos mares e traves- sias arriscadas dos migrantes forçados pela miséria e o esquecimento. Essas guerras, talvez bem perto de nós, também precisam ser superadas mediante a promoção de um mundo de respeito, justiça, solidariedade e paz. É tarefa de todos nós, cada dia.