No 5º Domingo da Quaresma deste ano, lemos a passagem do Evangelho de São João que mostra Jesus em Jerusalém, na festa da Páscoa, rodeado de muita gente. Havia também uns “gregos”, que queriam se aproximar de Jesus, mas, por algum motivo, não ousaram fazê-lo por iniciativa própria. Assim, dirigiram-se ao apóstolo Filipe: “Queremos ver Jesus”.
O verbo “ver” aparece muitas vezes no Evangelho de São João e com significados que vão muito além do simples enxergar com os olhos da carne. Ver envolve conhecer, fazer a experiência da proximidade, ser envolvido pela presença. Trata-se de um ver mais profundo, que também pode ter o significado de ser visto, receber atenção, experimentar a força que saía de Jesus e, de alguma forma, ser beneficiado por Ele.
Filipe também fica na dúvida se pode atender ao pedido desses pagãos. Não sendo do povo da Aliança, eles, provavelmente, não podiam se aproximar de um judeu na época da Páscoa, sem que este ficasse impuro para celebrar a Páscoa. Filipe vai falar com André, e os dois vão levar a Jesus o pedido daqueles gregos. Jesus alegra-se imensamente com o pedido e diz que foi bem para isso que veio a este mundo: para que a glória de Deus se manifestasse a todos e para atrair todos a si, à misericórdia do Pai, que ama e quer salvar a todos.
O pedido desses gregos reflete, no fundo, o desejo nem sempre expresso de cada ser humano, que busca Deus, que quer ver e conhecer Deus, estar com Ele, experimentar sua ação salvadora. Ver Deus é o desejo e a saudade incontida do coração humano, como já expressou Santo Agostinho: “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e nosso coração anda inquieto enquanto não repousa novamente em ti”. Deus faz-se “ver” em Jesus, “rosto humano de Deus”, “Deus visível de Deus invisível”. Quem quer conhecer Deus deve se aproximar de Jesus, o Filho do Eterno Pai, que se deu a conhecer humanamente e se faz ver nas muitas formas como Ele se manifesta.
Jesus está presente na Igreja, reunida em seu nome e formada pelos seus irmãos e discípulos, que o seguem. Ele prometeu estar lá, onde dois ou mais estivessem reunidos no nome Dele. Ele se faz presente na palavra do Evangelho anunciado e acolhido com fé. Sua palavra é viva e eficaz, mais ainda quando ela é comunicada e acolhida na comunidade de fé, que é a Igreja. Ele se faz presente nos Sacramentos, que, pela ação do Espírito Santo, agindo na Igreja, são ações eficazes de Cristo por meio da Igreja. Ele se faz presente em cada pessoa que sofre e espera ser acolhido por nós. Se queremos ver Jesus hoje, devemos procurá-lo onde Ele se deixa encontrar e onde Ele continua a agir no meio da humanidade.
No dia 25 de março, celebramos a Anunciação do Senhor, recordando o sim de Maria ao Anjo, que lhe anunciava ter sido escolhida para ser a Mãe do Salvador. Maria creu e acolheu a vontade de Deus. E assim, o Filho do eterno Deus assumiu nossa carne humana e se fez um de nós. Celebramos, assim, o mistério da encarnação, que foi o início da nossa redenção. “O Verbo de Deus se fez carne e veio habitar no meio de nós.” E nunca mais deixou de habitar entre nós: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos”. Dessa maneira, todos nós podemos “ver Jesus” e acolher os frutos do mistério da encarnação.
Durante o tempo da pandemia, muitas pessoas estão se perguntando sobre o sentido da vida humana, feita de buscas, sonhos, anseios, aspirações, nem sempre realizados. O homem nunca se sente completo e satisfeito neste mundo. No fundo, trata-se daquela “saudade de Deus”, experimentada por Santo Agostinho e, também, manifestada pelos gregos do Evangelho: “Queremos ver Jesus”. Só Ele pode plenificar nossa existência. E é esse o sentido de “redenção” e “salvação”, dois conceitos centrais no Mistério Pascal, que celebraremos em breve novamente na Liturgia.
Que este tempo de desorientação e angústia se torne ocasião para muitos se confrontarem seriamente com o sentido da própria existência. Esse sentido não nos é dado por aquilo que nós mesmos podemos nos conceder e conquistar. Nossa vida é uma busca constante do rosto de Deus, e essa busca não deve ser frustrada pelo fascínio de qualquer caricatura, como se fosse o rosto de Deus. Busquemos seriamente, sem desanimar, com esperança.