A pandemia de COVID-19 colocou em xeque muitas certezas a respeito dos projetos humanos, com frequência tocados em frente de maneira dogmática e cega, mas que se revelam pouco sustentáveis e até ilusórios. A ocasião é, pois, de reflexão para entender melhor os rumos e os propósitos que devem orientar o tempo que se seguirá à pandemia. Muitos acham que a pandemia trará um tempo de profundas mudanças nos comportamentos, na cultura e também na vida econômica. É na economia, de fato, que sentimos os reflexos mais imediatos desta crise desencadeada pelo novo coronavírus.
Muitos empregos foram perdidos e fica a dúvida: eles ainda voltarão a ser oferecidos? O trabalho remoto e pela internet foi muito ampliado, dispensando trabalhadores, e grande parte das organizações e estruturas físicas permaneceram voltadas para o trabalho. A vida econômica vai absorver muitas novidades, agora praticadas de forma emergencial, que poderão, no entanto, se tornar permanentes e trazer grandes mudanças. A pergunta é: as mudanças irão beneficiar a todos ou serão conduzidas em proveito de poucos, produzindo grandes massas de novos “sobrantes” e excluídos da vida econômica?
Fala-se das mudanças no campo educacional, e parece inevitável que elas venham a se consolidar. Haverá ainda, no futuro, grandes espaços físicos destinados à educação, com professores e educadores em profusão, como estávamos acostumados até agora? Ou será que estes serão substituídos por monitores a serviço de uma educação cada vez mais tecnificada, impessoal e a distância? É bem possível que tenhamos, em breve, um novo modelo de ensino e educação formal, nas mãos do Estado, ou também compartilhado com outros agentes, de forma delegada. Quais as vantagens e os riscos de uma educação cada vez mais controlada e monitorada por poucos e poderosos agentes?
Parece-me, porém, que a pandemia está levando a refletir, não apenas a respeito da organização da vida social e econômica, como também acerca dos próprios fundamentos que servem de base para a edificação dos projetos humanos nesta vida. Ouço com frequência falar na precariedade e insegurança, que caracterizam nossa vida neste mundo. Sonhamos alto, temos projetos grandiosos e investimos nossos melhores esforços para alcançá-los – e nem poderia ser diferente. Tudo, todavia, pode ser posto a perder, de um momento para outro, por agentes incontroláveis pelo homem, ou ainda não controlados por ele. E quem coloca todo o sentido de sua vida em tais projetos precários pode acabar de mãos vazias e frustrado em suas expectativas.
Por isso, já se fala de um retorno à religiosidade e à fé em Deus neste tempo de pandemia. O homem faz novamente a experiência de sua finitude, tendo consciência de que não é Deus, mas uma criatura. Descobrimos que não somos seres imunes às leis da natureza, porque também somos parte dela. Tais leis, em grande parte, ainda são desconhecidas pelo homem, e ele se descobre vulnerável até mesmo diante de uma criatura minúscula como é um vírus. O homem sabe disso, mas não o leva bastante a sério. E, então, se pergunta: o sentido da vida se restringe apenas às nossas próprias realizações ou podemos e devemos colocar nossas esperanças em algo mais, que nos supera e que não controlamos por nossa conta?
Nas reflexões que se fazem nestes tempos, reaparece com frequência o conceito da esperança, e não é sem razão. Somos seres de esperança, projetados para frente, para o “ainda não” e o ainda não conquistado. E não se trata apenas de conquistas humanas, pois elas se mostram insuficientes e requerem sempre mais e novas conquistas. Até quando estaremos projetando a plenitude de nossos sonhos nas próprias realizações?
A esse propósito, destaco um pensamento que me pareceu especialmente significativo: o homem, neste mundo, é sempre um projeto inacabado. E só será plenamente realizado quando se encontrar com Aquele que o projetou. Levar isso a sério não vai desmerecer todas as belas conquistas humanas neste mundo, mas lhe confere um sentido novo. Nossa vida neste mundo é orientada pela esperança na sua realização plena em Deus, e isso motiva e alimenta nossos sonhos e nosso agir.