Há pouco tempo, celebramos a memória de Nossa Senhora de Lourdes e o Dia Mundial dos Enfermos. Nesse contexto, gostaria de falar sobre um tema que faz parte do patrimônio espiritual de nossa fé, foi vivenciado por muitos santos e santas, e é fonte de muitos frutos espirituais: a oferta do sofrimento em vista da missão da Igreja, pela redenção do mundo e pelo bem do próximo. Isso dá ao sofrimento um significado profundo e ajuda no percurso da provação que ele nos impõe.
Um dos textos mais diretos sobre o tema é do apóstolo Paulo: “Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo, na minha carne, o que falta às tribulações de Cristo em favor do seu Corpo que é a Igreja.” (Cl 1,24). Paulo fala dos sofrimentos decorrentes de sua missão apostólica. Por causa de sua fé, ele sofreu perseguições, prisões, privações etc., contudo, procura unir tais sofrimentos aos de Cristo e oferecê-los para o bem da Igreja, isto é, do povo de Deus. Não que falte algo ao sacrifício redentor de Jesus, mas Paulo fala do corpo de Cristo, que é a Igreja.
Assim como Cristo, cabeça de Corpo, sofreu, o seu Corpo, que é a Igreja, também passa por tribulações e sofrimentos. Cada membro do Corpo pode unir seu sofrimento ao de Cristo, mergulhando no Mistério Pascal de Cristo, e apresentá-lo a Deus como um verdadeiro sacrifício espiritual, por meio do qual o fiel intercede por si, pelos seus e pelo Povo de Deus.
Não se trata de sofrimentos buscados deliberadamente, nem de quadros patológicos, mas de sofrimento em decorrência da vivência e testemunho da fé, bem como daqueles que a vida nos impõe sem que os tenhamos escolhido, ou ainda em decorrência de males praticados, tal como a cobiça e a ganância, por exemplo, já que a ânsia de possuir e o medo de perder atormentam e não trazem paz: “Na verdade, a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por se terem entregado a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos” (1Tm,6,10).
Falamos de todo e qualquer sofrimento humano que não buscamos, mas nos advém: a dor do cristão perseguido por causa de sua fé, a dor do enfermo, do faminto, a dor da injustiça sofrida, entre outros. Podemos fazer deles um sacrifício espiritual, unindo-o ao de Cristo pela redenção do mundo e o bem da Igreja. São João Paulo II nos dizia, na exortação apostólica Salvifici doloris, 19: “Todo homem tem sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, podem se tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo”.
Além disso, o sofrimento pode ter também um caráter pedagógico: nos faz entrar em contato com nossos limites, nos faz perceber quanto somos frágeis e dependentes de Deus e, também, do próximo, fazendo-nos humildes, quando vivenciado corretamente. Pode também tornar-nos mais sensíveis à dor do próximo e mais solidários.
O Apóstolo Paulo fala-nos ainda da consolação que vem de Deus e nos auxilia nos sofrimentos, além de redundar em consolação para os irmãos na fé (2Cor 1,3-11) e colaborar para nossa salvação (Fl 1,17-19). O sofrimento por causa de Cristo é visto ainda como uma graça ou uma honra, tal como em At 14,21-22, Fl 2,29-30 e 1Pd 4,13 que diz: “… alegrai-vos por participar dos sofrimentos de Cristo, para que possais exultar de alegria quando se revelar a sua glória.”. Contudo, a Escritura nos consola e encoraja: “Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós” (Rm 8,18) – aqui Paulo exorta a comunidade à perseverança, apesar das perseguições e tribulações, para que ninguém desista do caminho.
Embora seja lícito buscar o alívio do sofrimento, como os doentes que acorriam a Jesus, como nas preces de muitos Salmos e na exortação que nos faz o Eclesiástico a respeito do valor do médico (cf. 38,1-14), é importante lembrar que, como na vida ele é inevitável, podemos vivê-lo com novo sentido se o unimos ao de Cristo na cruz: “Com Cristo, eu fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim. Minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.” (Gl 2, 19b-20).