Já houve um tempo em que as representações de Deus às vezes mostravam um triângulo com um olho no centro. Era a maneira de representar a Santíssima Trindade, mas também de acentuar a sua onipresença ou, mais que isso, sua onisciência. Deus está em toda parte e Ele vê tudo. Algumas instituições gostavam de estampar em lugares mais privados a frase: “Deus te vê!” Claro que ninguém discorda disso. Se Deus é Deus, seria contraditório pensar coisa diferente.
O Antigo Testamento afirmava essa consciência: “O Senhor olha do céu, vê todos os filhos dos homens. Do alto de sua morada, observa todos os habitantes da terra; ele, que formou o coração de cada um, está atento a cada uma de suas ações” (Sl 32,13-15). Jesus também falou sobre isso. Não tanto para dizer que Deus vê tudo, mas para afirmar que os homens não precisam ver ou saber tudo: “Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, irá recompensar-te… Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará… Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto. Assim, não parecerá aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está presente ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará” (Mt 6, 3-4;6;17-18).
Tal ideia de um Deus onipresente e onisciente já foi muito combatida como se fosse um tipo de “doutrinação” e “despersonalização” No entanto, é curioso que vivamos em um tempo em que as pessoas querem muito ser vistas por todos, como acontece nas redes sociais e, ao mesmo tempo, não gostam de serem vigiadas, como acontece com as câmeras espalhadas em todos os lugares públicos e até em alguns lugares privados. Apesar disso, é estranho que gostem de vigiar e de saber de tudo sobre os outros, como acontece nos realities shows.
Mas, a grande questão e a grande diferença é que Deus não nos vê por meio de mecanismos que captam o nosso exterior. Ele nos conhece por dentro, como dizia Santo Agostinho: “Deus é mais íntimo de mim do que eu mesmo” (“interior intimo meo”: Confissões, III, 6, 11). Porém, Deus jamais nos expõe a intimidade de maneira vexatória e interesseira. Não é a sua vigilância que nos doutrina ou despersonaliza. O mesmo não se pode dizer da vigilância do ser humano. Hoje, mais do que nunca, podemos nos consolar sabendo que Deus nos vê, nos conhece por dentro e nos ama infinitamente: “Senhor, vós me perscrutais e me conheceis, sabeis tudo de mim, quando me sento ou me levanto. De longe penetrais meus pensamentos. Quando ando e quando repouso, vós me vedes, observais todos os meus passos. A palavra ainda não me chegou à língua, e já, Senhor, a conheceis toda. Vós me cercais por trás e pela frente, e estendeis sobre mim a vossa mão. Conhecimento assim maravilhoso me ultrapassa, ele é tão sublime que não posso atingi-lo. Para onde irei, longe de vosso Espírito? Para onde fugir, apartado de vosso olhar? Se subir até os céus, ali estareis; se descer à região dos mortos, lá vos encontrareis também. Se tomar as asas da aurora, se me fixar nos confins do mar, é ainda vossa mão que lá me levará, e vossa destra que me sustentará. Se eu dissesse: ‘Pelo menos as trevas me ocultarão, e a noite, como se fora luz, me há de envolver’. As próprias trevas não são escuras para vós, a noite vos é transparente como o dia e a escuridão, clara como a luz. Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe. Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso. Pelas vossas obras tão extraordinárias, conheceis até o fundo a minha alma. Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas. Cada uma de minhas ações vossos olhos viram, e todas elas foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi prefixado, desde antes que um só deles existisse. Perscrutai-me, Senhor, para conhecer meu coração; provai-me e conhecei meus pensamentos. Vede se ando na senda do mal, e conduzi-me pelo caminho da eternidade” (Sl 138,1-16;23-24).