A primeira pedra e o mundo envelhecido

O evangelista São João apresenta em seu capítulo oitavo a notória cena em que levaram a Jesus uma mulher pega em adultério. Essa mulher desrespeitou a lei e mentiu à sociedade e, por isso, foi tachada de pecadora. Diante desse cenário, a atitude dos escribas e fariseus foi matá-la, visto que a lógica daquelas autoridades é a de que o mundo se rejuvenesce quando os pecadores são eliminados.

Cabe neste momento, contudo, uma reflexão tempestiva: qual foi a resposta de Jesus diante daquela situação? Qual foi sua atitude? Certamente, observaremos que a resposta de Cristo é a de que o mundo não se torna melhor quando se aniquilam os pecadores, porém, convertendo-os a uma nova vida, isto é, o nascer de novo.

De fato, com a morte dos pecadores, o mundo fica vazio. Basta recordar o que o Mestre já nos ensina: “Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra” (Jo 8,7). Com efeito, Jesus pede que cada um deixe de olhar para o pecado do outro e olhe para o seu, uma vez que, ao reconhecer o próprio pecado, cada sujeito descobre a injustiça e a mentira presentes no querer matar o outro.

Tendo os escribas e fariseus se atrevido a olhar para si, descobrem que também são pecadores. Por certo, não é lógico que um pecador jogue pedras em outro pecador e, por isso, o resultado é o de que todos saem correndo “começando pelos mais velhos” (Jo 8,9). E, infelizmente, um mundo envelhecido suporta a injustiça e a mentira, mas não é capaz de aceitar a verdade e a justiça, e, somente assim, deixaria de ser como se apresenta, ou seja, como hipócrita e injusto.

Diante desses elementos, porém, é bom observar a plasticidade da cena apresentada pelo evangelista João no qual ficam frente a frente a pecadora e Aquele que não tem pecado. Ele, diante dos costumes da época, poderia colaborar para a condenação da pecadora, porém, precisamente por sua santidade, reafirma a vida e não a morte: “Eu também não te condeno. Vai e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,11).

Esse episódio permite recordar outra passagem da Escritura na qual um mundo jovem descobre a injustiça e a mentira de um mundo envelhecido. Trata-se da narrativa do profeta Daniel que apresenta a história de dois velhos juízes encarregados de fazer justiça, mas que “perdem a cabeça deixando de olhar o céu e esquecendo seus justos juízos” (Dn 13,9), para se acostarem com a jovem Susana. Não tendo conseguido, mentiram e a acusaram de se encontrar com um jovem e, com isso, ela é condenada à morte. Entretanto, o jovem Daniel chega e denuncia a injustiça e a mentira desse mundo corrompido, e evidencia que o novo mundo é o contrário, é de justiça e verdade. E sintetiza que o velho mundo deve ceder lugar a esta nova vida.

Não obstante, o apóstolo São Paulo em sua Carta aos Romanos fala do mundo que há de vir: “Tanto judeus como gregos todos estão sob o domínio do pecado. Não há justo, nem mesmo um só” (Rm 3,10). “Todos pecaram” (Rm 3,23). E, assim, a verdade permite que se veja que não somos Deus. Deus é o único Bom (cf. Lc 18,19). “E só nos unindo a Deus é que podemos participar de Sua bondade. A união com Deus não é identificação com Deus. Pensar que somos Deus é mudar a verdade pela mentira. Em vez de sábios, tornamo-nos tolos, estúpidos” (Rm 1,22).

Diante dos fariseus que dividiam o mundo em duas categorias de pessoas (boas e ruins, justas e pecadoras), Jesus sublinha a condição pecadora dos homens. E, destarte, reconhecermo-nos pecadores não é uma desgraça, porém, uma notícia que pode nos impelir a seguir adiante com esperança: a de que não somos Deus, mas pecadores, ou seja, que precisamos do Senhor e podemos contar com Ele. Reconhecermo-nos como pecadores, portanto, é nos abrirmos à misericórdia do Pai. Por isso, a Santa Missa se inicia com o reconhecimento de que todos somos pecadores. E, dessa maneira, é salutar saber que o enfermo se reconheça como enfermo pois, assim, buscará o médico. O enfermo que se considera são não pede a ajuda médica. “Não são as pessoas com saúde que precisam de médico, mas as doentes. Ide, pois, aprender o que significa: misericórdia eu quero, não sacrifícios. De fato, não é a justos que vim chamar, mas a pecadores” (Mt 9,12-13).

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