A profundidade do olhar de Jesus

O mês de agosto é dedicado ao cuidado e à oração pelas vocações. Neste ano de 2023, a Igreja no Brasil celebra o Ano Vocacional, cujo tema é “Vocação, graça e missão” e o lema “Corações ardentes, pés a caminho” (Lc, 24,32-33). A origem, o centro e a finalidade de toda vocação e missão é a pessoa de Jesus Cristo, e ela se revela como dom e graça, um precioso exercício de nossa liberdade face ao olhar do Mestre que nos convida a segui-Lo e caminhar juntos.

Para refletir sobre este tema da vocação e missão, recorro ao trecho do Evangelho segundo João que narra o encontro de André e Simão Pedro com o Mestre, que fixa neles o olhar e os convida a segui-Lo. “Fixando nele o olhar, disse: tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas (que quer dizer pedra)” (Jo 1,40-42). A centralidade dessa passagem é a dimensão do olhar de Jesus e a consequente resposta vocacional dos discípulos ao seu chamado. Ao fitar os olhos em Simão Pedro, Jesus estabelece com ele uma conexão profunda, capaz de criar laços de amor, de vínculo, de respeito e sinceridade. Nesse encontro, Pedro tem sua vida transformada, tornando-se, posteriormente, o fundamento, a força e o sinal de coragem para toda Igreja nascente e missionária.

Sabemos que o exercício de olhar com sinceridade e amor nos olhos do outro não é uma tarefa simples, pois, muitas vezes, queremos esconder ou mascarar o que realmente somos. Cristo, ao contrário, não tem medo de ver nossa condição humana. Seu olhar desvela o avesso de nós mesmos e transforma nossa vida e maneira de ver o mundo e os outros à medida que nos identificamos com o Mestre. Seu olhar misericordioso nos alcança e desperta em nós a consciência do chamado e do compromisso com a missão de Jesus, qual seja: “tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Evangelii gaudium EG 176). Por isso, toda vocação envolve a sensibilidade humana em perceber um Deus que chama e espera de nós uma resposta de amor e liberdade. Quem se deixa ser alcançado pelo olhar profundo de Jesus tem sua vida ressignificada e se torna seu discípulo-missionário, sua testemunha, capaz de assumir com vigor o projeto de Deus para sua vida.

Somos chamados a testemunhar o amor de Deus onde quer que estejamos, em nossas diversas realidades. Simão Pedro experimenta a alegria de ser chamado, junto às redes, aos barcos, na praia, como pescador. O encontro com Cristo acontece quase sempre na simplicidade do dia a dia.

O cotidiano é uma matriz fecunda na qual percebemos os sinais de Deus em nossa vida; o lugar onde se manifesta a leveza do olhar misericordioso do Mestre que não faz juízos antecipados sobre nossa história, nem se preocupa com nossas ações passadas, mas que espera de nós, após o encontro com Ele, uma resposta de fidelidade e amor ao seu seguimento. Por isso, mais do que nunca, devemos abrir nosso cotidiano para a evangelização, na nossa forma de agir no trabalho, na família, na universidade, na escola, em todos os ambientes da sociedade. E muitas vezes isso se dá por meio de um gesto, um sorriso, um abraço, um olhar, uma palavra, de uma presença, de uma atitude, de uma oração.

Portanto, que o Espírito Santo nos confirme no compromisso de assumir nossa vocação batismal e missionária, para sermos um sinal do amor de Deus no mundo, conscientes de que ela é um dom gratuito que nos impele à tarefa de tornar o Reino de Deus presente no mundo. E isso só se concretizará se exercermos o amor fraterno, se perdoarmos e nos reconciliarmos com o próximo e se vivermos na humildade e no serviço aos irmãos caídos pelo caminho. Como vocacionados, discípulos-missionários, devemos fermentar o mundo com a força do Evangelho e tornar presente e eficaz o amor de Deus pela humanidade, olhando a casa comum e as pessoas com o mesmo olhar compassivo e misericordioso de Jesus.

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