Nos últimos 12 meses, os brasileiros experimentaram como é árduo enfrentar este vírus surpreendente, e não decifrado totalmente pelos pesquisadores e profissionais da Saúde. Não obstante o desenvolvimento em tempo recorde de imunizantes, o Brasil se vê às voltas com uma crise sanitária sem precedentes, que, além de infecções e mortes, ocasionou instabilidade nas pessoas, na sociedade e nas suas instituições. A travessia, desde março passado, se assemelha a uma autêntica via crucis.
O atual descontrole da pandemia, como é sabido, se deve a descompromisso de autoridades cuja responsabilidade era organizar melhor o combate ao vírus, assim como da população, quer por entrar na onda negacionista, quer por não se dobrar às necessárias medidas de proteção, ou ainda, pelas condições de transporte e residência. A somatória de fatores como os citados coloca o País entre os que mais registraram mortes por COVID-19.
Quantos rostos que agora serão vistos somente em fotos, quanta tristeza e dor deixarão na alma dos seus, quanta ruptura de planos e projetos de vida. E as sequelas se estendem por outros campos da realidade. Tem sido dito que o amplo espectro de crises aproxima esta pandemia de um cenário de guerra. É um tempo que expõe o sofrer da condição humana, com ineditismo para as novas gerações. Exceção, talvez, para negacionistas e narcisistas, que teimam seguir em frente, indiferentes e sem manifestar empatia às dores alheias.
Em contexto tão caótico, é preciso encontrar referências para o cultivo da esperança e da lucidez. Esperança para não esmorecer e sucumbir em tal contexto, lucidez para se encontrar caminhos de superação das dificuldades. Pois pandemias eclipsam e podem acabar em caos, como nos lembra a metáfora de José Saramago em sua obra “Ensaio sobre a cegueira”.
A fé cristã não propõe ao cristão abstrair ou se esquivar da realidade, sobretudo em tempos duros e desafiadores. Ela oferece uma âncora consistente, Deus feito homem, o Filho de Deus, comprometido com o caminhar histórico da humanidade. O evangelista João diz: “Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho unigênito” (Jo 3,16). Para os que acolhem Jesus Cristo, a fé apresenta o horizonte do amor de Deus, que se faz solidário com as contingências humanas, amor que não desampara, amor que continua a ser testemunhado na cruz.
A cruz é um sinal contraditório, e até afasta olhares, quando entendida como desprezível ou desprovida de sentido. Entretanto, Jesus crucificado é o testemunho eloquente da força restauradora da entrega da vida, essa é a via da vitória sobre os males e sobre a morte. O autor do quarto Evangelho viu e acreditou que naquele homem dependurado entre o céu e a terra, todo chagado e desfigurado, estava sendo retirado o véu que impedia homens e mulheres de se encontrarem com o amor incondicional do Pai Criador, fonte da vida.
No tempo litúrgico da Quaresma, especialmente, os cristãos são exortados a caminhar com os olhos fitos em Jesus Cristo na cruz, até a chegada da Páscoa da Ressurreição. É quando emana a mensagem de que a vida vence a morte, o amor derrota os males, a esperança expulsa a desesperança, a verdade desnuda a mentira, a fé expurga os medos.
O horizonte do amor incondicional do Pai e a certeza da vida em Cristo Ressuscitado oferecem consolo a uma sociedade com as marcas do sofrer, e anuncia a possibilidade de fundamentar o viver a partir da gratuidade e do cuidado ao outro.
No contexto atual de tensões políticas e aprofundamento da crise econômica e social, não bastará somente o antídoto das vacinas para a reconstrução das estruturas debilitadas do convívio e da sociedade. Para se retomar a esperança e a serenidade, será preciso trilhar uma via que una e edifique a todos.
Nesse sentido, a cruz continua sendo o grande dom de Deus à humanidade, pois Jesus Cristo foi levantado, a fim de que todo homem que Nele crer tenha a vida eterna (cf. Jo 3,14-15).