Atualmente, um tema recorrente nos debates e conversas cotidianas se refere às mudanças ora perceptíveis neste contexto de pandemia, e quais alterações se consolidarão na vida das pessoas e nas estruturas da sociedade.
A questão tem suas dificuldades, mas se reveste de importância, sobretudo porque há muito se verifica uma autêntica ebulição em diversos países, inclusive no nosso. Certamente, tal fenômeno resulta da crise advinda do enfrentamento à COVID-19. Entretanto, é preciso atentar ao fato de que o tempo de crise, e crise equiparada a tempos de guerra, tem potencial para trazer à tona tanto o melhor quanto o pior das pessoas e da sociedade. E ambas as manifestações, à sua maneira, têm poder de seduzir e atrair.
Nesse sentido, são vistas com mais intensidade atitudes e gestos de solidariedade a socorrer os mais sofridos, ao menos com o básico, e o desdobramento de profissionais de certas áreas realmente essenciais. Entretanto, assombra algumas manifestações de insensibilidade para com o sofrer e morte dos conterrâneos, a sobreposição do viés econômico à proteção da vida, a proposição da supremacia branca e ocorrências do tradicional racismo. E ainda, as “garras” do autoritarismo ditatorial.
A esperança das pessoas de boa vontade diante das perdas e sofrimentos resultantes do impacto da crise sanitária entre todos tem uma evidência: é a incorporação de novos e edificantes costumes para a estruturação da vida de modo mais condizente com as reais necessidades de realização pessoal. No entanto, diante dos sinais destoantes de que o caminho a ser tomado pode contrariar essa expectativa, os seguidores do Deus de Jesus Cristo precisam contribuir para essa esperança não ser roubada ou frustrada.
Nesse contexto tão conturbado de “alegrias e esperanças, tristezas e angústias”, a Igreja celebra a Solenidade da Santíssima Trindade. A liturgia chama os fiéis à contemplação desse mistério que ultrapassa a cognição humana e encanta com a beleza do amor da unidade trinitária. Amor este, comunicado aos homens, pois “Deus amou tanto os homens” (Jo 3,16), que “enviou seu Filho para salvar o mundo” (Jo 3,17). É missão da Igreja e dos discípulos e missionários colocar as forças salvadoras de Cristo a serviço das gentes e contribuir para renovar a sociedade.
Assim sendo, é urgente difundir, com a condução do Espírito Santo, um espírito de paz, capaz de distensionar e desarmar as propostas radicais contrárias à vida e a uma sociedade participativa, com a disseminação de conflitos e divisões. A Trindade Santa doou o espírito da unidade, o qual se enriquece com a valorização da alteridade e da diversidade. Por isso, São Paulo diz: “Cristo é nossa paz, de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro de separação” (Ef 2,14).
A força salvadora do Filho é experimentada na verdade do seu amor. Ele diz: “A verdade vos libertará” (Jo 8,32), e, por isso, na liberdade, aceitou a morte de cruz, testemunhando o amor divino. Os discípulos hão de semear o espírito de reconciliação se acreditarem na força do amor doado pelo Espírito Santo. O grande contributo do cristão para a transformação da sociedade está nesse amor, não nas ideologias. O amor divino liberta e aponta para o horizonte inclusivo do bem comum, sem o qual não haverá paz.
A contemplação da Santíssima Trindade também revigora a esperança no futuro, mesmo quando sobras parecem obscurecer o razoável e a realidade. A salvação do Deus amor se mostra mais forte que as forças do mal, a Ele pertence a vitória. O livro do Apocalipse finaliza com a proposição da Nova Jerusalém, ou com a proclamação da vitória do plano de Deus na história e derrota das forças do mal. Nesta cidade, “as coisas anteriores passaram” (Ap 21,4), e ela resplandece de beleza, alegria e paz.
Que a contemplação de Deus e sua proposta para a vida dos seus filhos anime os discípulos missionários a se empenhar, visando à edificação do seu projeto nestes tempos de ebulição sociopolítica potencializada pela pandemia.